Nova língua de sinais nativa do Piauí é objeto de pesquisa internacional

O isolamento de uma comunidade no sertão provocou a criação da língua de sinais chamada "cena"

O pesquisador da UFDPar, Anderson Almeida, conversando em cenas com moradores surdos. (Foto: arquivo)

Uma nova língua de sinais, nativa do Piauí, vem chamando atenção de pesquisadores do Brasil e do exterior. O isolamento da comunidade Várzea Queimada no município de Jaicós (Piauí), a 400 quilômetros de distância da capital Teresina, e a quantidade significativa de surdos provocou o fenômeno que deu vida a uma nova forma de comunicação. Criada pelos próprios moradores, a nova língua foi batizada de “cena”.

O povoado sofre com o isolamento há 70 anos e, somente nos últimos 10 anos, estradas asfaltadas passaram a ligar  Várzea Queimada a outras regiões próximas. O distanciamento, segundo pesquisadores, contribuiu para o estabelecimento da nova língua.

Adaptação

Na família da dona de casa Silvana Barbosa são seis filhos, sendo três deles surdos. Sem o acesso ao aprendizado de Libras, a língua brasileira de sinais, foi necessário improvisar um novo meio de comunicação.

“Foi difícil, mas conseguiram, porque vão aprendendo até adaptar. Ainda hoje tem dificuldade, claro, dos ouvintes. Eles (surdos) também já sabem se comunicar com a gente, todas as cenas,” conta Silvana.

Silvana Barbosa se comunicando em cenas com outros moradores. (Foto: arquivo)

Sem saber, a família ajudou a estruturar a língua emergente, chamada assim entre os pesquisadores. O fenômeno despertou o interesse de um doutor em Linguística pelo Massachussets Institute of Thecnology. O pesquisador Andrew Newins passou a estudar a nova linguagem que surge na região.

“Acho até o nome bonito (cena), que dá essa dimensão teatral. É uma língua nova, que tem apenas três gerações, completamente inédita e completamente diferente de libras, a linguagem brasileira de sinais,” afirma o pesquisador.

O pesquisador em Linguística da Universidade Federal do Parnaíba (UFDPar), Anderson Almeida, explica que em libras existe alfabeto e sistema numérico, que não são presentes em “cena”. “Os sinais da libra são maiores comparados aos sinais das cenas”, compara Anderson.

A primeira mulher surda da cidade, dona Lídia Barbosa, nasceu há 70 anos, quando surgiram os primeiros sinais de cena. Lídia continua se comunicando atualmente com os sinais que ela e a família ajudaram a criar.

Lídia Barbosa, a primeira surada da comunidade de Várzea Queimada. (Foto: arquivo)

Pesquisa

Pesquisadores da UFDPar estão há cinco anos na comunidade e já catalogaram quase 300 expressões na língua de cenas. O estudo dos especialistas sobre a origem e desenvolvimento da linguagem ganha forma em um dicionário cena-libra com palavras registradas em fotos.

O objetivo, segundo Anderson Almeida, é valorizar a nova língua do povo de Várzea Queimada e facilitar o aprendizado das gerações futuras da região. Os pesquisadores também comparam o fenômeno com outros casos semelhantes que ocorreram em Israel e Turquia.

O Dr. Andrew Newins conta que será de grande importância a pesquisa comparativa internacional para analisar uma evolução paralela entre os gestos das línguas criadas.

“É algo muito importante. Temos uma língua nativa do Piauí. Nós temos que nos movimentar para salvaguardar a memória dessa língua” Finaliza Anderson Almeida

Anderson Almeida, pesquisador da UFDPar. (Foto: arquivo)

A comunidade

Estradas de terra levam até a comunidade, onde o trançado com a palha de carnaúba é a principal renda na maioria das casas na comunidade. “Quem vive da várzea vive basicamente de artesanato e agricultura,” conta a artesã Marcilene Barbosa.

O povoado contém 900 moradores e tem um dos piores índices de desenvolvimento humano do país. No ranking com 5.565 posições, a comunidade ocupa o 5.430º lugar.

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