14 de dezembro de 2025

Sem transporte, trabalhador pede demissão por não conseguir ir ao trabalho

Atualizado em 26/08/2021 10:20

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Foto: TV Clube

Para quem era acostumado a assistir ao nascer do sol no ponto de ônibus, admirá-lo da janela do quarto é uma novidade. Se por um lado, a natureza encantava, o motivo de passar muito tempo esperando pelo transporte público era sinônimo de dor de cabeça para o profissional de marketing Carlos Santos. E agora, está pior. Por conta da qualidade (ou a falta) do transporte público, Carlos teve que desistir do emprego.

Foto: Arquivo Pessoal/ Carlos Santos

O trajeto que poderia ser percorrido em 20 minutos, muitas vezes, se transformava em uma odisseia de quatro horas, o que frustrava a esperança de não se atrasar mais uma vez. Para ir e voltar para o emprego, Carlos precisava pegar quatro ônibus, saindo de casa duas horas antes do expediente. Ele mora no Parque Mão Santa, região próxima ao bairro Satélite. Da zona leste, o primeiro ônibus levava Carlos para o centro, e o segundo, até a zona sul. “Foram cerca de seis meses vivendo este enorme sofrimento diário que se repetia na ida e na volta”, explica Carlos.

Carlos buscou alternativas para continuar trabalhando. O transporte por aplicativos o ajudou por uns meses, mas os preços começaram a aumentar e prejudicar sua renda mensal.

“Já cheguei a gastar até R$ 60,00 reais em uma única corrida por aplicativo até o trabalho, e isso pesou demais no meu bolso, pois boa parte do meu salário era para pagar esse tipo de transporte, já que o público quase nunca servia.”

Após muita insistência e gastos com transporte de até R$ 550 reais em um único mês, ele precisou tomar a difícil decisão de pedir demissão. “Tive que me adaptar a trabalhar em casa, com uma renda muito baixa e que mal consigo me sustentar”, lamenta Carlos.  A percepção de Carlos de que havia menos ônibus para dar conta da necessidade da população não é um engano.

Redução da frota

De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Rodoviários no estado do Piauí (Sintetro), Ajuri Dias, cerca de 60% dos funcionários do setor foram demitidos desde o início da pandemia, em março de 2020. Em 2019, eram cerca de 1.600 funcionários do sistema de transporte público, incluindo motoristas e cobradores, e atualmente apenas 650 continuam atuando no setor.

Foto: TV Clube

Segundo o Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros de Teresina (SETUT), desde o início da atual gestão, em janeiro de 2021, a Prefeitura Municipal de Teresina (PMT) não faz nenhum repasse às empresas que prestam o serviço.

Ao todo, o SETUT diz que deve receber R$ 52 milhões, valor que corresponde a R$ 21 milhões do acordo de dívidas anteriores e R$ 31 milhões do subsídio dos meses seguintes, valor acumulado diante do acordo realizado pela prefeitura de Teresina ao decidir não realizar o reajuste tarifário para os usuários.

Em nota, o SETUT informa que os ônibus em funcionamento estão sendo disponibilizados em quantidade superior à demanda apresentada. Pela demanda atual, a frota a ser operada deveria ser de, no máximo, 20% da normal e os consórcios ainda estão conseguindo operar, mesmo sem nenhum repasse da Prefeitura, com quase 35% da frota normal, de 394 ônibus.

A entidade reitera que tem buscado, sistematicamente, o diálogo com a Prefeitura de Teresina e alternativas efetivas para solucionar os problemas do sistema de transporte público da capital.

Foto: Reprodução/TV Clube

Questionada, a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (Strans) informou que atualmente estão circulando de 130 a 135 ônibus na capital durante os dias úteis. Aos sábados, circulam de 46 a 50 ônibus na cidade, enquanto aos domingos circulam de 5 a 6 ônibus.

A superintendência diz que o número de veículos circulando durante a semana é inferior à ordem de serviço expedida pelo órgão, que estabelece que devem rodar 188 ônibus nos dias úteis, 131 aos sábados e 57 aos domingos e feriados.

“No caso de descumprimento das ordens de serviço, a Strans utiliza um sistema para emitir as notificações, e elas são enviadas para o e-mail de cada consórcio diariamente. O consórcio tem até 15 dias para recorrer, e caso não recorra é penalizado e tem que pagar multa”, informou a superintendência.

Diante do imbróglio entre prefeitura e o Setut, 44 mil teresinenses continuam sofrendo com o transporte público da capital (antes da pandemia, eram 220 mil usuários diários atendidos por 410 veículos).

Em decisão liminar tomada em 8 de fevereiro de 2021 pelo juiz João Gabriel Furtado Baptista, foi determinado que 70% da frota deve rodar nos chamados “horários de pico” (segunda a sexta das 6h às 9h e 17h às 19h, e aos sábados das 6h às 9h e das 12 às 15h), e 30% nos demais horários, enquanto perdurar a situação da pandemia da Covid-19.

O Tribunal de Justiça do Piauí informou que no processo não consta contestação por parte do Ministério Público acerca do descumprimento da decisão desde que foi concedida, há seis meses. O órgão menciona ainda que o pedido deve ser encaminhado pelo MP para que haja manifestação por parte do juiz, uma vez que já foi determinado o cumprimento da liminar.

Já o Ministério Público afirma que não se manifestou sobre suposto descumprimento da liminar devido à última informação repassada pela Strans, em audiência, de que o percentual estava sendo cumprido. No entanto, o órgão ministerial declarou que solicitará novamente da Strans informações sobre as ordens de serviço e o percentual de veículos em circulação, e caso seja verificado o descumprimento da decisão judicial, as medidas adequadas serão tomadas e o juízo comunicado.

CPI do Transporte

A Câmara Municipal de Teresina instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar irregularidades nos contratos do município com os consórcios de empresas que venceram a licitação dos ônibus, em 2015.

Foto: Câmara Municipal de Teresina/Divulgação

Na terça-feira (24), a CPI aprovou o relatório final com duas ressalvas dos vereadores Aluísio Sampaio (Progressistas) e Enzo Samuel (PDT), relator da comissão. A maioria dos membros decidiu pela rescisão do atual contrato com as empresas de ônibus. Os votos favoráveis foram dos parlamentares Bruno Vilarinho (PTB), Pollyanna Rocha (PV), Deolindo Moura (PT) e do presidente da CPI, Dudu Borges (PT). O relatório será encaminhado ao Ministério Público do Trabalho, Tribunal de Contas do Estado, Ministério Público Estadual e Polícia Federal.

“Ao Tribunal de Contas do Estado, vamos comunicar e dar essa ciência do que foi apurado aqui. Não tem outra saída a não ser rescindir esse contrato e abrir uma nova licitação baseada em tudo que foi investigado ao longo dos dias. A Prefeitura (de Teresina) tem condições de realizar uma nova licitação emergencial, fazendo uma chamada pública. As empresas têm o controle do sistema e cabe ao povo pagar. Possui vários erros e fraudes. A decisão nossa é que sejam tomadas essas medidas”, comentou o vereador Dudu Borges.

Nessa quarta-feira (25), o relatório foi aprovado por unanimidade pelo plenário da Câmara Municipal. Os membros da comissão foram até o Palácio da Cidade e entregaram o documento, que contém 151 páginas, ao prefeito Dr. Pessoa, que vai analisar se acata ou não as proposições apresentadas pelo Legislativo para solucionar as problemáticas do transporte coletivo da cidade.

O prefeito pediu tempo para analisar o relatório, mas adiantou que a Prefeitura Municipal será responsável por mais da metade da frota de ônibus do município. “Eu tentei que essa situação fosse resolvida lá no início desta administração por duas ou três vezes. Para bem servir a população de Teresina, 50% mais um vai ser produzido pelo Poder Executivo. O secretariado quer e o Poder Legislativo também aponta para esse sentido”, disse.

Enquanto as autoridades não chegam a uma solução, o teresinense continua sentindo o sabor amargo do descaso. Além dos atrasos e perda de emprego, Carlos também relata os riscos diários que corria antes de pedir demissão por conta da falta de ônibus.

“Nós, usuários, nos colocamos em risco diário de assaltos em pontos de ônibus, além, é claro, da lotação gigantesca que ocorre em todos os horários e também pela qualidade do transporte, pois a maioria não tem uma ventilação adequada o que nos expõe ao risco de adoecer de covid-19, e quem sabe, mesmo me cuidando, perder a vida por conta da doença” relata.


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