
A advogada Nathália Cortez Raulino, de 36 anos, sempre foi muito ativa na prática de atividades físicas e, de repente, fazer exercícios básicos, como um simples agachamento, tornou-se um desafio. Sete meses após testar positivo para o novo coronavírus, ela enfrenta as sequelas da Covid-19, assim como milhares de brasileiros.
Nathália conta que iniciou acompanhamento com médico angiologista, fisioterapeuta e personal trainer (educador físico) em fevereiro de 2021, quando testou positivo. Nos primeiros dias, ela sentiu febre, dor de cabeça e comprometimento respiratório leve.
“As fortes dores nas pernas desapareceram após três meses de tratamento, porém continuo tratando a minha perna direita. Perdi toda a musculatura, o apoio e a força dela. Está sendo desafiador, principalmente em relação ao meu emocional”, diz.
Há meses, o Brasil, além da vacinação contra a doença, está com a atenção voltada para o tratamento das sequelas deixadas pelo novo coronavírus. Essa situação fez com que os sistemas de saúde público e privado passassem a conviver com a “síndrome pós-covid”, “covid longa” ou “covid persistente”, em paralelo aos cuidados das pessoas com a infecção ativa.
O médico infectologista Kelson Veras explica que a “covid longa ainda não tem uma definição universalmente aceita, mas uma utilizada é a presença de sintomas que persistem depois de quatro semanas do início da Covid-19”.
“Entre esses sintomas persistentes, os mais comuns são tosse, falta de ar, fadiga, dores no peito inespecíficas, déficit cognitivo (dificuldades na compreensão e aprendizagem) e ansiedade ou depressão”, cita o médico, reforçando que diversas combinações destes sintomas podem estar presentes. As manifestações, segundo o especialista, variam de um paciente para outro.
ESTUDOS
O Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) produz estudo sobre as sequelas pós-covid. Pesquisadores acompanham os pacientes internados e que receberam alta médica no hospital, mas passaram a apresentar algum tipo de sequela, como fadiga, falta de ar, dificuldade de concentração ou fraqueza. O resultado deverá servir de base para protocolo de atendimento do Ministério da Saúde, a ser utilizado em outros hospitais do país. O estudo é realizado pelo Instituto do Coração (InCor), que integra o Hospital das Clínicas e campo de ensino e de pesquisa para a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Outra pesquisa do Incor revelou que pacientes que tiveram Covid-19 podem sofrer disfunções cognitivas como falhas de atenção, memória e função executiva do cérebro.
“Os resultados deixam evidente que a recuperação física nem sempre implica na recuperação cognitiva. Engana-se quem pensa que as sequelas afetam somente pessoas que sofreram a doença no estágio mais grave. Pacientes que tiveram coriza ou outros sintomas mais leves e até mesmo os assintomáticos também foram diagnosticados com disfunção cognitiva em algum grau”.
No Piauí, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesapi) não tem dados específicos, mas estima que “311.410 pessoas já estão recuperadas ou seguem em acompanhamento (casos registrados nos últimos 14 dias) que não necessitam de internação ou evoluíram para morte”.
QUANDO BUSCAR AJUDA
O médico Kelson Veras reforça que “um médico deve ser procurado se os sintomas não desaparecerem após a Covid aguda, especialmente se forem muito limitantes para a volta às atividades normais”.
Após dois meses do teste positivo, a assistente social, Hyanna Andrade, de 28 anos, também retornou aos cuidados médicos, depois de perceber acúmulo de secreção na região da garganta. Ela recorda que durante a infecção sentiu “muita dor de cabeça, nariz entupido e uma dificuldade de respirar”, além de perder o olfato por dois longos meses.
“Ainda hoje faço tratamento com medicamentos e acompanhamento com o pneumologista. Já fiz fisioterapia pulmonar para voltar a respirar com qualidade”.
Inúmeras pesquisas, entre elas, a da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais com pacientes internados no Hospital das Clinicas da Universidade, também estuda os impactos no estado emocional das pessoas infectadas pelo novo coronavírus. Os principais sintomas observados foram ansiedade e depressão.
SAÚDE MENTAL
A psicóloga Millena Valadares acrescenta que o sofrimento psicológico associado à pandemia também é evidente. “Percebemos o aumento na busca por psicoterapia e reabilitação diariamente na clínica. É esperado e natural sentir-se afetado, confuso e em alerta no contexto em que estamos, no entanto, se sentir que essas preocupações são tão exageradas que trazem prejuízos para seus relacionamentos, trabalho e até sua saúde física, está na hora de buscar um profissional especializado”.
“Podem ser sinais de que você precisa de ajuda: grande medo e evitação de interações sociais, preocupação excessiva com limpeza, dependência de eletrônicos, dificuldades no trabalho, traumas associados ao fato de ter sido contaminado, vivência do luto e até mesmo a ação direta do próprio adoecimento que já tem sequelas neurológicas sendo estudadas, como a falta de memória, fadiga e dores de cabeça”, esclarece a psicóloga.
REORGANIZAÇÃO DE LEITOS
O professor doutor Emídio Matos, pesquisador do Grupo de Trabalho Sala de Situação da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), comenta que a redução na ocupação de leitos por pacientes com infecção ativa do novo coronavírus permitiu uma atenção maior para o tratamento das sequelas da doença, com a reorganização da rede de saúde.
“A literatura aponta que cerca de 80% dos pacientes que tiveram a doença, seja leve, moderada ou grave, terão algum tipo de sequela. A rede de atenção à saúde precisa ser preparada, capacitada para isso, a começar pela atenção básica. É fundamental o fortalecimento da atenção básica, das equipes de saúde, a capacitação para que possa atender adequadamente, dando atenção à saúde para a comunidade”, defende o pesquisador.
ONDE BUSCAR TRATAMENTO
No Piauí, o tratamento pode ser feito de forma gratuita no Centro Integrado de Reabilitação (Ceir), em Teresina, e no Centro Especializado em Reabilitação (CER IV), em Parnaíba. Eles oferecem atendimento a pacientes que evoluíram com limitações na capacidade funcional (muscular e respiratória), observando a qualidade de vida, o grau de fadiga, as condições nutricionais, cognitivas e psíquicas após a Covid-19.
Em junho, o Governo do Piauí inaugurou em São João do Piauí o Centro Especializado em Reabilitação – CER II Daniely Dias. O local aguarda habilitação pelo Ministério da Saúde para iniciar os atendimentos. Não há previsão.
Em Teresina, o CEIR disponibiliza 48 vagas por semana para triagem e reabilitação pós-covid. De novembro de 2020 a julho de 2021, foram 7.130 atendimentos. Em Parnaíba, que começou o atendimento em dezembro de 2020, o CER IV já realizou 6.021 atendimentos voltados para as sequelas da doença.
O Centro Integrado de Saúde Lineu Araújo (Cisla) é referência no atendimento de pacientes pós-covid pela Prefeitura de Teresina. De janeiro a junho de 2021, o Cisla realizou 2.559 atendimentos, sendo a maioria de fisioterapia (927), pneumologia (574), neurologia (671) e cardiologia (356). Uma única pessoa chegou a ser atendida em mais de uma especialidade.
A Sesapi e a Fundação Municipal de Saúde em Teresina também possuem uma rede de serviços voltada para os cuidados com a saúde mental, por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).
DIAS INTERMINÁVEIS
Ao recordar esse processo de enfrentamento da doença, Hyanna conta que os dias com covid foram “um período doloroso porque os dias não passavam” e também momentos de muita fé.
“Me reconectei com Deus e fortaleci a minha fé. É na tristeza e na dor que percebemos o quão frágeis nós, seres humanos, somos, mas existe uma força sobrenatural que transcende e te dá forças para não desistir e provar que você é um milagre”.
Para a advogada Nathalia Cortez, vivenciar a doença também a fez ter uma outra visão sobre a vida. Ela acredita que “a pandemia veio para mudar a vida da população mundial” e, mesmo passando por esse longo processo de recuperação, não é capaz de “reclamar da vida”.
“Me sinto profundamente grata a Deus por estar viva, estar com minha família, apenas tratando as sequelas dessa doença terrível, enquanto milhares de pessoas perderam entes queridos. Intensifiquei meu lado espiritual (que sempre foi prioridade). A fé é fundamental para não deixar a tristeza dominar os nossos pensamentos; comecei a orar e buscar mais a Deus, que é o que realmente tem feito a diferença e tenho cuidado mais ainda da alimentação, que sempre foi minha paixão”.
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