Obesidade, bulimia, anorexia. O que é um transtorno alimentar?
Não, a obesidade não é um transtorno, no máximo, a obesidade pode estar associada a um transtorno, mas a obesidade em si é apenas um descompasso entre a ingestão energética e o seu gasto.
Mas afinal, o que é um transtorno alimentar e como tratar dessa dificuldade que impacta a vida de tantos jovens e suas famílias?
Segundo a OMS, 10% dos brasileiros sofrem de transtornos alimentares. Existe uma correlação entre transtornos alimentares e risco de suicídio. Existem pelo menos 12 tipos diferentes de transtornos alimentares. A bulimia e a anorexia são apenas os mais prevalentes.
Transtorno Alimentar / Diagnóstico
Antes de tratarmos de qualquer problema ou dificuldade de saúde é necessário um diagnóstico minimamente preciso.
Nos termos do DSM-V (Manual de Transtornos Mentais), transtornos alimentares caracterizam-se por uma perturbação persistente na alimentação, ou no comportamento relacionado à alimentação, com comprometimento na saúde física ou no funcionamento psicológico. (DSM-V, 2015).
Obesidade NÃO é um transtorno
Em tempos de inflação diagnóstica é importante atentar para um diagnóstico preciso, a fim de se evitar o tratamento de comportamentos ou imagens corporais absolutamente normais. Do mesmo modo, é importante destacar, em letras graúdas, que obesidade não é um transtorno. No máximo, a obesidade pode estar associada a um transtorno, mas a obesidade em si é apenas um descompasso entre a ingestão energética e o seu gasto.
São vários os transtornos alimentares descritos no referido DSM-V, no entanto, por uma questão de objetividade e em razão da prevalência, focaremos na Bulimia Nervosa e na Anorexia Nervosa.
“Entre os adultos obesos de 19 a 49% sofrem com a discriminação. As taxas são ainda maiores com as mulheres.”
“A obesidade não é simplesmente uma consequência da falta de força de vontade. Por causa de uma série de fatores (hormonal, inflamatório, medicamentoso, genético), pessoas com obesidade não costumam ficar satisfeitas com a mesma quantidade de comida que as pessoas de peso considerado adequado. Se elas emagrecem, o cérebro entende que o corpo precisa poupar energia, o que acaba ajudando a ganhar peso de novo.”
O que é bulimia? O que é anorexia?
Ambos os transtornos têm sua etiologia associada à aspectos socioculturais. A pressão por manter-se magro, atendendo a um padrão estético rígido ou atendendo a exigências de determinadas profissões (modelos), atinge sobretudo mulheres, de camadas mais privilegiadas, em países ocidentais. (FONTES)
Na Anorexia há uma restrição da ingesta calórica, com significativo impacto no peso, um medo de ganhar peso e num distúrbio de auto avaliação quanto à forma corporal.
Na Bulimia, ao contrário, há recorrentes compulsões alimentares associados a comportamentos compensatórios, como vômitos, uso de laxantes, jejuns ou exercício em excesso. Assim como na anorexia, na bulimia também se observa uma auto avaliação distorcida da forma e peso corporais.
“A gordofobia está associada a sintomas depressivos, altos índices de ansiedade, baixa autoestima, isolamento social, estresse, uso de drogas e compulsão alimentar”.
O transtorno alimentar e a autoestima
Em ambos os transtornos verifica-se um comprometimento da autoestima de quem sofre destes distúrbios alimentares, muitas vezes em razão de um padrão de beleza, em certa medida, impossível de ser alcançado.
São fatores de risco para anorexia:
– Pressão social por questões estéticas;
– Distúrbios psiquiátricos como ansiedade, depressão e transtorno obsessivo-compulsivo;
– Desequilíbrios hormonais;
– Baixa autoestima;
– Perfeccionismo exagerado;
– Histórico familiar.
Os fatores culturais, biológicos, psicológicos e familiares
Não obstante a importância do aspecto sociocultural apontado, há influência de fatores biológicos, psicológicos e familiares.
Quanto ao aspecto biológico, pode-se citar um neurotransmissor chamado serotonina, responsável pelo bom humor. A maioria das mulheres apresenta aumento dos níveis de serotonina depois de comer, o que se reflete eu seu bom humor. Em mulheres com anorexia o que desencadeia bom humor e bem-estar é, justamente, o comportamento de não comer. (FONTES)
Não bastasse serem transtornos muito prevalentes, os transtornos alimentares precisam de especial atenção por colocarem as pessoas em franco risco de suicídio, além de outros danos à saúde física e mental. (DSM-V, 2015)
O tratamento
O tratamento com estratégias da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) tem como objetivo a diminuição da restrição alimentar, da compulsão alimentar, dos episódios compensatórios bulímicos, do excesso de atividade física, diminuição dos distúrbios de imagem corporal, modificação do sistema de crenças associadas a aparência, peso e alimentação e um aumento da autoestima. (FONTES)
Fase 1 do tratamento
Num primeiro momento avaliam-se as expectativas e objetivos do paciente, com atenção para o necessário comprometimento que o paciente assume, não só nessa, mas em todas as intervenções com base na TCC. Ainda nesse momento inicia-se um trabalho de controle da ingestão calórica, utilizando-se de técnicas comportamentais, evitando-se os gatilhos e o estresse que desencadeiam o comportamento que se pretende evitar.
Fase 2 do tratamento
Iniciado o treino comportamental, passa-se à reestruturação cognitiva, que se propõe a modificar crenças disfuncionais ou distorcidas, geralmente relacionados ao papel da imagem corporal na sociedade ou a ideias de fracasso ou sucesso associadas a peso. Para isso é necessário que o paciente entenda a relação entre pensamentos, sentimentos/emoções e comportamentos disfuncionais.
Fase 3 do tratamento
Na terceira fase, trabalha-se de forma a manter os ganhos. É uma fase delicada em que se realiza uma psicoeducação, com um plano de prevenção de recaída. (OLIVEIRA e col.)
Todas essas fases não prescindem de um forte vínculo paciente-terapeuta que deve ter sido cuidadosamente construído desde o primeiro contato. A fragilidade desse vínculo é o principal fator de desistência por parte dos pacientes. É muito importante que o paciente reconheça no terapeuta um interesse genuíno em ajudá-lo, mas sem perder de vista o seu próprio esforço e comprometimento, sem o qual nada será possível.
Os efeitos da gordofobia em crianças é ainda mais devastador devido ao bullying. Crianças acima do peso sofrem maior risco de enfrentarem isolamento social e desenvolverem transtornos mentais, especialmente depressão e ansiedade.
A ajuda da família
Todo esse trabalho deve contar, sempre que possível, com a importante ajuda da família. É preciso que pais e familiares, em geral, comprometam-se junto com o paciente e participem do processo ativamente. Considerando os aspectos familiares do transtorno, sempre que a família não se dispuser a ajudar é importante que o paciente esteja atento a necessidade de agir mais autonomamente nesse processo.
Profissionais envolvidos no tratamento
Por fim, é importante registrar que a TCC sozinha não pode cuidar de transtornos dessa natureza. É de crucial importância uma equipe multidisciplinar envolvida, com nutricionista, endocrinologista, educador físico e psiquiatra.
Sabemos que o apoio de uma equipe multiprofissional não é a realidade da maioria de nossa população. Muitas vezes há muita dificuldade de acessar um serviço de psicologia, quiçá uma equipe de profissionais. Nesses casos, pelo menos o psiquiatra deve ser integrado ao tratamento, na medida em que muitas vezes são necessárias prescrições farmacológicas para reduzir níveis de ansiedade e/ou de compulsão com a urgência necessária para a TCC começar a surtir seus primeiros efeitos.
De todo modo, o tratamento psicoterápico não deve ser dispensado. É a psicoeducação e a informação levada ao paciente e sua família que vai proporcionar os melhores benefícios a médio e longo prazo e atuarem na manutenção dos ganhos ao longo do tempo. (KNAPP, 2004).
Sempre é possível
Ainda que o paciente possa encontrar dificuldade na obtenção de um serviço ou outro, que possa não contar com a adesão da família, isso não o inviabiliza por completo, apenas torna o processo mais difícil e os resultados mais improváveis, mas não impossíveis.