Em um país tão continental e belo como o Brasil, viver e conhecer todas as suas belezas, nas mais singulares regiões, é um luxo restrito a uma pequena parcela da população. Embora seja notável o fenômeno da democratização do acesso aos voos domésticos e mesmo internacionais, ao longo dos anos 2000, verifica-se uma forte redução do acesso às classes populares ao espaço aéreo brasileiro, principalmente nos últimos anos, e isto vai muito além das dificuldades impostas pela pandemia.
É lógico que as restrições de circulação de pessoas e a redução do fluxo de cargas e mercadorias, desde o segundo trimestre de 2020, impactaram diretamente na baixa de voos e passageiros, porém este fenômeno deve ser encarado de modo mais amplo, não restrito ao contexto pandêmico. A crise do mercado aéreo do país deve ser encarada como um símbolo da elevação da desigualdade no país e consequente sectarização econômica do próprio espaço geográfico brasileiro.
Não é novo que a pandemia da Covid-19 impactou severamente sobre setores de comércio e serviços, especialmente de turismo. Restrições institucionais e mesmo a redução do nível de renda impactaram negativamente na demanda por voos e na oferta de viagens aéreas. Teresina, por sua franca vocação a serviços e turismo de negócios, configura-se como referência na atração de indivíduos de várias cidades e estados do nordeste e norte do país.
Entre 2019 e 2020, houve queda de 49,9% do número de passageiros transportados entre o Aeroporto Senador Petrônio Portella e outros aeroportos, enquanto o volume de cargas saído de Teresina reduziu-se aproximadamente em 43,2% no mesmo período. Esta movimento foi comum em praticamente todo o país, porém em Teresina houve um agravante, pois a redução do preço das passagens foi ínfima (-3,1%, terceira menor do país), o que dá indícios da elitização do setor na capital piauiense.
Que a pandemia provocou uma redução da demanda por transportes aéreos no país e que isto impactou severamente sobre regiões que constituem eixos de atração regional, como Teresina, não há dúvidas. Porém, é importante se ater ao fato de que não houve uma mudança de tendência. A “crise” no mercado aéreo brasileiro e a redução do número de passageiros, cargas e voos é fenômeno que se acelera desde 2015. O aumento da pobreza e elevação do desemprego elevaram a já altíssima desigualdade socioeconômica no país, atingindo em cheio a classe média e setores mais populares da sociedade.
Por outro lado, a crise sobre as empresas brasileiras que perderam abrangência no vasto território nacional e passaram a se concentrar em mercados mais regionais, também reduziu a demanda por passagens aéreas já antes da pandemia. Por consequência, reduziu-se o volume migratório nacional e de cargas, paralelamente à concentração industrial entre as empresas atuantes no país.
Mudanças institucionais favoreceram a redução de custos e elevação dos lucros das empresas, não beneficiando consumidores. A redução da cobrança por bagagens não se traduziu na redução dos preços e o mercado aéreo parece retomar o seu caráter concentrado e elitista a uns poucos e privilegiados brasileiros.
Brasileiros estes que comiam carne até outrora, hoje fazem filas por ossos. Brasileiros estes que, mesmo os mais humildes, trabalhadores domésticos, gozavam de sua vida e de seu tempo, iam até à Disney. Brasileiros que vislumbraram viver as riquezas e belezas de seu país, hoje se defrontam com a violenta realidade desigual, evidenciada pela pandemia da Covid-19, mas que vai muito além dela.