Na última semana, o portal ClubeNews contou a história da comunidade Várzea Queimada no município de Jaicós (Piauí), que vem chamando atenção de pesquisadores do Brasil e do exterior por ter criado uma nova língua de sinais. Isolada a 400 quilômetros de distância da capital Teresina, a comunidade inventou uma forma de comunicação nativa entre os surdos que vivem no local. A nova língua foi batizada de “cena” e virou notícia do programa Fantástico da Rede Globo.
Leia a matéria:
Nova língua de sinais nativa do Piauí é objeto de pesquisa internacional
Hoje você vai entender por que Várzea Queimada registra a média de um surdo a cada 25 crianças nascidas e como isso contribuiu para a criação da nova linguagem de sinais.
A pesquisadora em Genética do Hospital das Clínicas de São Paulo, Karina Mandelbaun, estudou o povoado e explica que a quantidade de surdos que nascem na comunidade encontra uma resposta na genética.
Segundo Karina, o casamento entre primos é comum no local. Ela explica que o material genético proveniente dos pais contém instruções para produção de todo o corpo humano e alterações no código genético podem provocar doenças ou deficiências.
O casamento de primos de primeiro grau oferece grandes riscos ao gerar filhos e nascer com deficiências, mas isso não significa uma afirmação e sim um percentual mais alto de chances do que a normalidade. Esse fato pode ocorrer até mesmo entre um casal sem nenhum laço sanguíneo.
Todo casal, mesmo que não seja da mesma família, tem 3% de chances de ter filhos com problemas genéticos. Estes riscos aumentam para 6% nos casais com a mesma consanguinidade e para 7 a 8% para os casais que tiverem os mesmos códigos genéticos e defeituosos, bem comuns de encontrar em primos de primeiro grau.
Para o casal de primos que já possui no histórico familiar doenças recessivas ou para aqueles que já possuem um filho com alguma doença genética, o risco aumenta para 25%.
As uniões da comunidade desenvolveram em cada geração mais surdos na comunidade, que devido ao isolamento, criaram uma nova linguagem para se comunicar com os ouvintes locais. A língua chamada “cena” também foi objeto de estudo de pesquisadores nacionais e internacionais.
A comunidade
Estradas de terra levam até a comunidade, onde o trançado com a palha de carnaúba é a principal renda na maioria das casas na comunidade. “Quem vive da várzea vive basicamente de artesanato e agricultura,” conta a artesã Marcilene Barbosa.
O povoado contém 900 moradores e tem um dos piores índices de desenvolvimento humano do país. No ranking com 5.565 posições, a comunidade ocupa o 5.430º lugar.
Isolamento
Uma das explicações para a nova língua de sinais ter ganhado ainda mais força na comunidade é exatamente o isolamento espacial e cultural. Sem acesso a cursos de libras – a língua de sinais oficial do Brasil – as famílias acabaram criando um jeito próprio de se comunicar, que vem passando de geração em geração e já é objeto de estudo por parte de pesquisadores nacionais e internacionais.
Pesquisa
Pesquisadores da UFDPar estão há cinco anos na comunidade e já catalogaram quase 300 expressões na língua de cenas. O estudo dos especialistas sobre a origem e desenvolvimento da linguagem ganha forma em um dicionário cena-libra com palavras registradas em fotos.
O objetivo, segundo o pesquisador em Linguística da Universidade Federal do Parnaíba (UFDPar), Anderson Almeida, é valorizar a nova língua do povo de Várzea Queimada e facilitar o aprendizado das gerações futuras da região. Os pesquisadores também comparam o fenômeno com outros casos semelhantes que ocorreram em Israel e Turquia.
O Dr. Andrew Newins conta que será de grande importância a pesquisa comparativa internacional para analisar uma evolução paralela entre os gestos das línguas criadas.
“É algo muito importante. Temos uma língua nativa do Piauí. Nós temos que nos movimentar para salvaguardar a memória dessa língua”, finaliza Anderson Almeida.
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Fonte: Rede Clube