“Descentralisai o governo; aproximai a fórma provincial da fórma federatica; a si próprias entregai as províncias; confiai à nação o que é seu; reanimai o enfermo que a centralisação fizera cadáver; distribui a vida por tada parte: só então a liberdade será salva.”
O trecho acima é uma passagem do livro “A Província” de Aureliano Candido de Tavares Bastos, político do Segundo Reinado brasileiro que defendeu o Federalismo. Suas lições inspiraram as mudanças constitucionais para a descentralização política. A importância de refletir sobre seus ensinamentos no contexto atual, permite-nos incidir na importância de um equilíbrio, ou não, do Poder Político na República brasileira.
Percorrendo o livro, temos algumas passagens que despertam nosso senso político. “É mau o povo, não pode ser bom o governo”, máxima utilizada pelos conservadores contra as ideias democráticas da época. Povo e Governo devem ter sob o ponto de vista moral o mesmo valor. A liberdade é um requisito para que o povo aperfeiçoe suas virtudes. Negam ao país aptidão para governar-se por si próprio e o condenam por isso a tutela do governo. Toda tutela prolongada produz infalivelmente uma certa incapacidade e esta serve de pretexto para continuar a tutela indefinidamente.
Poder
A centralização é incompatível com instituições livres, a federação floresce a liberdade. Uma tem condição, o funcionamento hierárquico e ilimitado, exército permanente, despotismo. Uma resolve os estados; a outra equilibra as forças sociais; uma é a expressão moderna do império pagão; a outra é o ideal do governo na sociedade criada pela doutrina da consciência livre e da dignidade humana.
Em 1831, a revolução nacional tentaria quebrar o molde antigo que comprimia o Brasil e buscaria imitar os modelos americanos. A câmara dos deputados votaria a monarquia federativa, uma proposta de que cada província tivesse a sua Constituição particular, feitas por suas assembleias e outra para que o governo fosse provisoriamente vitalício na pessoa do imperador e depois temporário na pessoa de um presidente das províncias confederadas do Brasil.
Dois partidos influentes à época, o moderado e o exaltado, (o restaurador estava à margem) concordavam ambos em adotar bases democráticas de um governo descentralizado; discordavam somente na forma da instituição central, inclinando-se para a forma republicana.
Organizado em 1823, os conselhos do governo das províncias possuíam atribuições políticas, como a competência de deliberar sobre a suspensão de magistrado e do comandante da força armada, sendo tais conselhos sementes das assembleias provinciais. Entretanto, a Constituição outorgada por Pedro I define que os conselhos legislativos não tinham competência própria e definitiva, seus atos dependiam afinal do governo supremo ou do parlamento.
Mudanças
Em 24 de maio de 1832, o deputado Holanda Cavalcanti (visconde de Albuquerque) oferecia projeto de lei para o governo das províncias cujo art. 1 dispunha: “A administração econômica de cada província do império não é subordinada à administração nacional, senão nos objetos mencionados e pela maneira prescrita na Constituição”.
O sistema do ato adicional não estabelecia a federação, mas um regime que participavam ambos os sistemas, centralizador e descentralizador. No entanto, as confusões ocorreram na prática das instituições novas, a inexperiência de homens públicos, o exagero dos erros dos funcionários ignorantes, levou ao descrédito o pensamento esboçado na reforma de 1834.
A reunião de poderes dos presidentes e do parlamento, armados contra leis provinciais abusivas, trouxeram uma série de atos provinciais funestos à União, levando alguns a acusarem de tentativa de dissolução da União. A autonomia das assembleias despertou o sentimento de responsabilidade, estímulo aos homens públicos que legislavam e tratavam de diversas matérias.
O ato mais enérgico de reação conservadora foi a criação da lei chamada de interpretação que limitava a autoridade das assembleias provinciais, permitindo a criação da polícia uniforme em todo o império. Como exemplo, foi feita uma circular de 1868 determinando que os presidentes não sancionassem lei alguma, criando comarcas e que o governo não proverá novos juízes.
Além da devolução ao poder executivo da União da nomeação de delegados e pessoal de carceragem, bem como da impossibilidade de abrir cursos, apesar de competir às assembleias abrirem instituições de ensino, houve ainda uma confusão legislativa sobre a hierarquia das normas, normas municipais e federais, com a possibilidade de suspensão das leis provincianas por parte do governo geral.
Foram construídos projetos centralizadores, como conselhos de nomeação imperial que preparavam os negócios e passavam a ser decididos pelos presidentes. Além da discussão sobre a criação de um contencioso administrativo ao estilo do modelo francês, com nomeação de executores das posturas municipais, auxiliares dos presidentes, pelo Imperador.
Nova missão
O partido liberal tem então a missão de propor o regresso ao espírito genuíno do ato adicional. Os sistemas possuem poder legislativo e administrativo próprio, mas não funcionam. Pretende-se como querem os compatriotas da independência, democratizar as instituições.
Não foi o ato adicional um pensamento desconexo e isolado na história do nosso desenvolvimento político. Foi elaborado, anunciado, por assim dizer, pela legislação que precederá. Inspirou a democracia. Aboliu o conselho de estado, decretou uma regência nomeada pelo povo, permitindo que nossa pátria ensaiasse o governo eletivo durante vários anos, e fez mais, criando o poder legislativo provincial.
Pelo contexto político e jurídico da época, percebe-se a intensa discussão sobre a centralização do poder e a construção do sistema federativo, na época imperial. Atualmente, a União detém diversos poderes dentro do sistema federativo, mas percebe-se claramente que os estados federados detêm ainda sua autonomia política, administrativa e financeira, mas até que ponto nosso sistema federativo precisa de ajustes? Fica a reflexão da passagem histórica e das lições do passado.
*Os links a seguir levam o leitor ao conhecimenro sobre os termos grifados
Aureliano Candido de Tavares Bastos, nasceu em Alagoas, no dia 20 de abril de 1839, falecendo em Nice, em 3 de dezembro de 1875. Ele foi um político, escritor e jornalista brasileiro. É considerado o precursor do federalismo, por sua luta contra a centralização administrativa durante o Segundo Reinado. Formou-se aos dezenove anos em Direito na Faculdade de Direito de São Paulo, doutorou-se em Direito em 1859 e, em 1860, foi eleito deputado pela então Província de Alagoas.
No ano seguinte, por discordar abertamente do Ministro da Marinha, foi demitido do cargo de oficial da Secretaria da Marinha. Publicou, anonimamente, no Correio Mercantil, as Cartas do Solitário. Em 1864, Tavares Bastos foi reeleito deputado e participou da Missão Saraiva ao rio da Prata, como secretário. Em 1870, fez publicar o livro A Província, no qual combate eloquentemente a centralização do poder público. Em 1872, publicou A Situação e o Partido Liberal e, em 1873, os Estudos sobre a Reforma Eleitoral.
Era partidário do liberalismo, o qual defendia à exaustão, segundo Raymundo Faoro, enquanto um dogma acentuando o caráter natural das leis do mercado e da livre iniciativa enquanto elementos desejados por toda a sociedade contra um Estado que extrapole os limites de sua atuação e acabe por “substituir a sociedade” na iniciativa produtiva. Em suas ideias, recebeu muitas influências do missionário norte-americano James Cooley Fletcher, além de pensadores tais como John Stuart Mill, Alexis de Tocqueville e Alexander Hamilton. Como tal, defendia a separação do Estado e Igreja e inclusive a imigração de protestantes para a região.
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