Wesley Igor Gomes*
wesleygomes@tvclube.com.br
Entre o lápis de cor e alguns rabiscos, Vivianny Cristina, que estava prestes a concluir o ensino médio, se preparava para o próximo passo: tentar ingressar em uma universidade pública e cursar Artes Visuais. Em meio aos estudos diários e, vez ou outra, pensamentos de que não conseguiria, ela viu nas cotas a chance de realizar aquilo que tanto almejava. E deu certo!
Em 2022, a Lei de Cotas completa dez anos de sua criação. Sancionada em 2012, no governo da ex-presidenta Dilma Rousseff, ela possibilitou que estudantes pretos, pardos e indígenas, pessoas com deficiência (PcD), e oriundos de escolas públicas conseguissem uma vaga em instituições de ensino superior.
Vivianny, assim como milhares de brasileiros, é beneficiada por essa ação afirmativa. Hoje, com o curso finalizado, ela conta que essa conquista não é somente dela e de sua família, mas de tantas outras pessoas como ela: preta, da periferia e que teve o direito a uma educação público de qualidade negado.
“Vejo as cotas como uma possibilidade de acesso a algo que, antes, nós não tínhamos, que é a oportunidade. Nunca tivemos acesso a um ensino de qualidade”, disse Vivianny, que continua: “Passei muito tempo, por exemplo, sem ter aula de artes. Quando tinha, não era aquilo que vi assim que cheguei na universidade. Lá, descobri que poderia ter aprendido tanta coisa que não tive acesso no ensino fundamental e, muito menos, no médio, de um aprendizado adequado”.
A universidade pública era o único caminho
O incentivo da família, principalmente da mãe, foi a fonte de inspiração para Renan Silva se dedicar aos estudos e tentar uma vaga numa universidade pública. A condição financeira que possuía, como o mesmo ressalta, não lhe dava nem a possibilidade de considerar uma graduação em uma instituição privada.
“A universidade pública era o único caminho. Então, sempre estudei muito, sempre fui muito estudioso. Via os esforços da minha mãe para garantir que a gente, eu e meu irmão, pudéssemos estudar. Me dediquei a essa carreira de estudante. Poderia ter feito outras coisas, mas segui estudante”, relembrou.
Era chegada a hora de se inscrever no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e, apesar de compreender pouco sobre as cotas, Renan decidiu tentar Serviço Social por meio delas. “Sabia que existiam, mas só consegui entendê-las, de fato, no ato da inscrição. Lá tinha várias modalidades e escolhi a que se encaixava dentro do meu perfil”.
Hoje, com diploma em mãos, Renan seguiu em novas direções, essas que o levaram ao Maranhão, onde é mestrando também em uma universidade pública. As ações afirmativas deram-lhe a chance de alçar novos vôos, mudaram a realidade do menino sonhador que morava no interior do Piauí.
“Depois de todo esse percurso, compreendo que as cotas são um sistema, apesar de incipiente, muito necessário. Elas garantem que haja uma equidade no acesso, que a universidade pública não se torne apenas um lugar para pessoas que podem pagar por um outro tipo de ensino, para quem vem de um histórico de formação básica privada”.
Cresce o número de negros, pardos e indígenas no ensino superior brasileiro
De acordo com a “Avaliação das políticas de ação afirmativa no ensino superior no Brasil: resultados e desafios futuros”, entre os anos de 2013 e 2019, houve um aumento de 205% de estudantes vindos de escolas públicas, pretos, pardos, indígenas e de baixa renda em universidades. O estudo foi desenvolvido pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Superior (Lepes), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e pela Ação Educativa.
Os dados, colhidos de março de 2021 a junho de 2022, também apontaram que o percentual de pretos e indígenas cursando o ensino superior foi, respectivamente, de 87% e 40%. Brancos apresentaram apenas 9%. Com relação àqueles que concluíram a graduação, o grupo dos pardos possui a maior taxa, com 47,2%, em seguida, os brancos com 40,4%, pretos 39,2% e indígenas 36%.
Uma nova realidade
O historiador e pesquisador do tema, Natanael Soares, também ingressou na universidade por meio das políticas de cotas. Ele relembrou que sempre teve o interesse em cursar o ensino superior, mas que parecia algo distante da sua realidade. Apesar de saber muito pouco sobre a Lei das Cotas, na época em que estava se preparava para tentar uma vaga, ele optou pelas ações afirmativas de recorte social.
Foi no ambiente universitário, principalmente na pesquisa, que Natanael iniciou um estudo mais abrangente sobre a temática, compreendendo, assim, sua tamanha importância. As cotas mudaram a vida do historiador. “De cara, topei logo, já que havia escutado pouco sobre e tinha chegado nesse período sem saber. Conheci a política de cotas através da minha pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Conheci, também, como ela funcionava dentro da Universidade Estadual do Piauí (Uespi) e mundialmente, pois é uma política de afirmação mundial que existe em outros países e em outros momentos do Brasil”, destacou.
Ameaça a Lei das Cotas
Sobre a possibilidade da política deixar de existir, o pesquisador afirma não acreditar nesse cenário. “Ela (a política de cotas) ainda não alcançou o seu objetivo. Ainda falta muita coisa para acontecer, mas a gente vê as ameaças que existem neste desgoverno federal e de muitos senadores e deputados aliados a esse movimento reacionário a uma política social tão importante”.
Além disso, ele também explica que cabe aos movimentos estudantis e às instituições de ensino superior combaterem as ameaças contra a lei. “Seria um desastre muito grande, mas cabe aos movientos, principalmente os negros, a nós dos núcleos, pois faço parte do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi), estar lutando. As universidades têm autonomia para isso”, expressou.
*Sob supervisão da jornalista Malu Barreto
Siga o Portal ClubeNews no Instagram e no Facebook.
Envie sua sugestão de pauta para nosso WhatsApp ou Telegram.