27 de julho de 2025

“Sempre sou questionada por minha voz”, diz mulher trans após autorização judicial para cirurgia

Francine Dutra

Publicado em 19/10/2022 11:00

Compartilhe:

Foto: arquivo Rede Clube

“Apresento-me como mulher, mas os clientes acabam questionando a voz ao invés de se atentar ao atendimento”, desabafa a bancária Bruna Ribeiro, que ganhou na Justiça o direito a fazer uma cirurgia de mudança de voz pelo plano de saúde.

A autorização e o custeio da cirurgia aconteceram após decisão da 7ª Vara Cível da Comarca de Teresina, que determinou que a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (CASSI) realizasse o procedimento cirúrgico.

Com a decisão, a bancária se diz mais confiante para realizar o seu trabalho durante o atendimento ao público.

“A voz atrapalha no meu emprego porque eu não consigo desempenhar da mesma forma que os meus colegas desempenham, sempre sou questionada pela minha voz”, diz.

Para a servidora, é difícil passar pelo preconceito que muitas mulheres trans e travestis passam diariamente após iniciar a transição de gênero. Ela comentar ser ainda mais difícil lidar com as características masculinas de sua voz.

“Iniciei minha transição em abril do ano passado, em 2021 e, desde então, passei a enfrentar dificuldades na sociedade que não tinha antes, quando me apresentava no gênero masculino. Passei a ver nitidamente o preconceito que as pessoas trans sofrem, passei a sofrer isso na pele pelo simples fato de mudar de gênero, a única coisa que eu fiz foi transicionar”, comenta a bancária.

A DEFESA DO CASO

Apesar da necessidade atestada por profissionais da saúde para a realização do procedimento de mudança de voz, o plano não autorizou a realização da cirurgia, alegando que não faz parte do rol de procedimentos estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), e Bruna levou o caso à Justiça.

“O otorrino atestou que ela está com problemas devido forçar a sua voz, e com o laudo nós juntamos também o laudo do psiquiatra que atestou que a mesma está tendo sentimento de desvalor, depressão devido a esses constrangimentos”, explica o advogado Wesley Carvalho, responsável pelo processo.

Segundo o advogado, a base de argumentação da defesa foi considerando que o procedimento era uma necessidade de saúde, moral e social da funcionária.

“É importante deixar claro que todo ser humano é digno de direitos. A nossa Constituição Federal garante essa igualdade de direitos; então, não seria diferente no caso da Bruna. O plano de saúde mostrou prontamente interesse em cumprir a decisão liminar e a gente fica muito feliz por isso porque é um direito que ela tem e a Justiça foi feita”.

DECISÃO

A decisão do juiz Sebastião Firmino Lima Filho determina que a prestadora do serviço de saúde providencie os procedimentos médicos glotoplastia e condroplastia, bem como forneça os materiais necessários para os mesmos, devendo ainda custear todas as despesas decorrentes, sob pena de fixação de multa.

“Constatei existente também o perigo de dano ou risco do resultado útil do processo, haja vista que o estado de saúde da requerente pode ser agravado como faz prova os laudos médicos apresentados pela requerente e indicação médica de cirurgia”, diz trecho da decisão, que justifica a concessão da medida liminar.

A cirurgia irá acontecer no estado do Paraná, já que o procedimento não é realizado no Piauí. “Eu estou muito ansiosa, qualquer cirurgia causa medo, estou muito apreensivas, mas estou com a expectativa muito boa para adequar a minha voz ao meu gênero”, diz Bruna.

PESSOAS TRANS SOFREM COM ACESSO À SAÚDE

De acordo com a Secretaria de Assistência Social e Cidadania (SASC), procedimentos cirúrgicos e outros tipos de tratamento, que são necessários para pessoas trans, são raramente autorizados pelos planos de saúde.

“Ações judiciais como essa têm que ser feitas porque planos de saúde não legalizam, não autorizam, que a população trans busque esses serviços de forma legal. Então, a gente tem que buscar essas formas judiciais para que possamos estar dando uma ênfase maior, dando esse direito para a população trans”, declara Joseane Borges, gerente de enfrentamento à LGBTFOBIA da SASC.

Essas pessoas também podem ter acompanhamento especializados em um ambulatório exclusivo para pessoas trans que funciona em Teresina, no Hospital Getúlio Vargas (HGV).

“O ambulatório tem especialidades garantindo o direito à saúde porque sabemos que muitas dessas pessoas se evadem desses espaços da saúde por não serem respeitadas de acordo com sua individualidade, principalmente pelo seu nome social, mesmo sendo lei”, finaliza.

LEIA MAIS 

Mulheres trans sobrevivem ao preconceito e buscam reconhecimento no Piauí; leia relatos

  Siga o Portal ClubeNews no Instagram e no Facebook.
Envie sua sugestão de pauta para nosso WhatsApp ou Telegram.

Leia também: