Em oito de novembro de 2016, os Estados Unidos da América elegiam Donald Trump como Presidente, em uma eleição cuja oponente, Hillary Clinton, era apoiada por Barack Obama, que possuía aprovação de 60% da população. Duas forças políticas americanas, Republicanos e Democratas, que se enfrentam a cada eleição, mas que naquele pleito ocorreram diversos contextos que chamaram atenção.
O principal foi relatado pela Comunidade de Inteligência dos Estados Unidos, uma federação de 17 agências governamentais independentes, que, em 06 de janeiro de 2017, detectou a interferência do governo russo nas eleições presidenciais, especialmente contra, à época, candidata à presidência Hillary Clinton. Nesse relatório, que ganhou destaque em todas as agências governamentais e instituições políticas mundo à fora, evidenciou-se a capacidade de influência das redes sociais no processo eleitoral.
Em 2019, a empresa de streaming Netflix lança o documentário “Privacidade Hackeada”, que retrata como uma consultoria londrina Cambrigde Analytica coletou dados de milhares de usuários e pôde influenciar o comportamento social dessas pessoas na eleição presidencial americana de 2016, escancarando um processo de comunicação social que há tempos Theodor Adorno já esclarecia e que foi utilizado durante diversos períodos de nossa história, como a inquisição católica, o nazismo e a primavera árabe, estamos falando da Indústria Cultural.
O poder das redes sociais, não mais subestimado, também é claro quando falamos de economia, bem acentuado pela autora Shoshana Zuboff em seu livro “A era do capitalismo de vigilância” cuja densa leitura necessita de forte estômago face à literalidade visceral dos fatos que são retratados. Em ambos os recortes, político ou econômico, a Indústria Cultural se avença em determinar comportamentos sociais da população, ou como muitos autores colocam, das massas, influenciando na formação da autonomia individual e conduzindo a tomadas de decisões que podem repercutir no aspecto econômico ou político.
Face o processo eleitoral ocorrido em 2018, em que Jair Bolsonaro foi eleito presidente sem ter tempo de propaganda eleitoral bem como fundos eleitorais que justificassem ganho de popularidade, o poder influenciador das redes sociais foi determinante no processo de comunicação, chamando assim atenção das instituições brasileiras.
Assim, em 2020, surge o Projeto de Lei n.º 2630 de autoria do Senador Alessandro Vieira (PSDB) de Alagoas, que busca regulamentar a transparência nas redes sociais com finalidade de garantir a segurança e ampla liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento. O referido projeto sofreu diversas e robustas alterações, agora sob a relatória do Deputado Orlando Silva (PCdoB) de São Paulo, cujo texto de nossa análise é de 27 de abril de 2023.
A ideia da regulamentação da internet não é algo inédito no mundo, pois na Europa a sua regulamentação já ocorre face à proteção da privacidade individual e do combate ao discurso do ódio, tendo sido inclusive aplicadas multas bilionária em euro a grupos como o Facebook, por permitirem veiculação de conteúdo de ódio. Contudo, a sua regulamentação ainda é muito debatida justamente pelo risco à democracia que se tem quando há algum órgão ou alguma autoridade que possua o poder de considerar um determinado fato verdade ou não.
Isso porque, durante a história humana, a real discussão sobre a verdade de determinados fatos permeiam conflitos de toda ordem, sendo considerado autoritário aquele que não permite oposição ao seu pensamento, o que diverge do ambiente democrático em que a multiplicidade de opiniões é concretização da liberdade de expressão.
O atual PL da Fake News exala conceitos jurídicos indeterminados, cuja concretização ocorre por regulamentação, seja por meio de decretos do executivo ou por meio de decisões judiciais, a exemplo ressaltamos o conceito de livre desenvolvimento da personalidade individual, um direito fundamental previsto no art. 5º, VI, da Constituição Federal.
De que forma podemos determinar o que significa desenvolvimento da personalidade individual em um país em que os níveis de acesso à educação são diametralmente díspares? Essas aparentes inconsistências jurídicas são normais, pois cabe ao Poder Judiciário, por intermédio de seus agentes, juízes, desembargadores e ministros, dosar em que medida podemos aceitar uma determinada situação ou não à medida das circunstâncias reais em análise de um caso concreto. Ou seja, caberá, nesses casos, ao Poder Judiciário decidir.
Por outro lado, o projeto de lei é concreto ao responsabilizar solidariamente os provedores, aplicativos de redes sociais, pelas reparações de danos, além de já declinar núcleo de riscos sistêmicos relacionados a conteúdos ilícitos, tais como violência contra a mulher, crianças e adolescentes, e ao processo eleitoral.
A proposta ainda traz espécies de condutas comissivas que devem ser observadas rigorosamente pelos provedores, sob pena de multa de até R$ 50 milhões de reais por infração à lei, como, por exemplo, a entrega de relatórios contendo informações sobre riscos sistêmicos oriundos de potenciais ofensas aos conteúdos considerados lesivos pela lei.
A nosso ver, o ponto de maior discussão é a criação de um novo tipo penal relacionado à promoção ou financiamento de conteúdo relacionado a fato inverídico que seja capaz de comprometer a higidez do processo eleitoral ou que possa causar dano à integridade física e seja passível de sanção criminal. Nesse caso, quem poderá determinar se um fato é verdade ou não?
O que o texto apresenta é um mecanismo que pode ser considerado como censura, pois haverá restrição ao exercício da liberdade de expressão, pois a manifestação de pensamento não se apresenta pelo conteúdo e, sim, pela manifestação em si. Essa situação não é um fato novo, existem espécies de manifestação de pensamento que são consideradas como crime, por exemplo, a incitação ao nazismo e outras formas de discriminação, previstas na Lei n.º 7.716/88.
Contudo, as definições de preconceito, discriminação e racismo, estão bem constituídas no direito brasileiro, mas definir o que seja verdade em contextos políticos institucionais, por exemplo, pode realmente atingir o núcleo inviolável da liberdade de expressão, o direito de opinião.
Como mencionado acima, historicamente foram vivenciados diversos momentos em que o fato determinado como verdadeiro, nada mais era do que uma justificativa ideologicamente centrada de um lado para adoção de certas práticas.
De tal modo, ainda não restou objetivado no PL n.º 2630 quem poderá determinar se um fato é verídico ou não, exceto ao Poder Judiciário a quem cabe sempre a última palavra em qualquer caso.
Porém, no que concerne à proteção da privacidade de dados e à autonomia individual, é essencial a sua regulamentação, mas a sua regulação para fins de controle de veracidade dos fatos nos parece temeroso, pois colide com os princípios basilares de toda democracia que é a liberdade de expressão e o livre desenvolvimento da personalidade humana, pois a partir do momento em que haja restrição de acesso a determinado conteúdo, restringe-se a liberdade de expressão, bem como o acesso à informação, impactando na livre formação do indivíduo.
De tal sorte que a criação de um ente capaz de controlar o conteúdo a ser veiculado nos parece com as lições trazidas no clássico livro de ciência política, “O Leviatã”, em que Thomas Hobbes expõe ser o Estado esse ente a quem nós confiamos nossa liberdade e igualdade, e agora nossa democracia.
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