
Nas últimas semanas, dois casos de suposto trabalho doméstico escravo foram registrados em Teresina. A imprensa local noticiou que duas pessoas foram resgatadas em situação análoga à escravidão. É prematuro tecermos qualquer comentário acerca desses fatos ocorridos na capital do Piauí. Por outro, já que a matéria tem repercutido no meio social, resolvi apresentar alguns pontos acerca da prática, que é corriqueira no país. Reitero que a análise se dará em relação ao trabalho doméstico escravo e não sobre os fatos supostamente ocorridos no Estado.
REALIDADE INCOMPATÍVEL COM A EVOLUÇÃO CIVILIZACIONAL
Enquanto o mundo está voltado para o que se convencionou chamar de 4ª Revolução Industrial, indústria 4.0, em que a robótica e a neurociência ganham espaço, deparamo-nos com trabalhadores que ainda são resgatados em situação análoga à escravidão. E nos últimos anos cresceu o número de trabalhadores resgatados nessas circunstâncias, agora em âmbito doméstico. A situação é preocupante.
A prática é comum. Geralmente são pessoas muito pobres que são trazidas do interior para ajudar nos afazeres domésticos de algum parente ou pessoa próxima à família. Antes de virem, são inundadas por sonhos, que estudarão e poderão ter o futuro que quiserem. Mas ao chegarem, a realidade é outra. O trabalho é tão maçante que não sobra tempo para se dedicar aos estudos. Não recebem salário, mas um “agrado”, uma quantia irrisória pelo trabalho desenvolvido.
A SOCIEDADE LENIENTE COM A PRÁTICA CRIMINOSA
O problema é também cultural. Boa parte da população vê com naturalidade a prática de trazer adolescentes do interior para trabalhar em residências. Sem direitos trabalhistas, são ainda mais vulneráveis por estarem longe de sua família, sem o amparo mínimo de pessoas próximas.
Na boca dos patrões, “são da família”, mas na prática são exploradas. Precisamos enfrentar esse problema de perto. Não podemos admitir que pessoas sejam tratadas dessa maneira só porque vieram de cidades pobres, lugares onde não há muitas oportunidades. E, por conta disso, vir para a cidade para trabalhar na casa de alguém é a realização de um sonho. Do outro lado, a pessoa fica cada dia mais presa aos afazeres domésticos até chegar o ponto de não conseguirem mais realizar outra atividade fora da residência.
O LUGAR DO DIREITO NESSE PROCESSO
Doutor, mas a minha intenção nunca foi escravizar ninguém. Mas, veja, se você tem um empregado doméstico que trabalha há vários anos e não tem direito a férias, não recebe salário compatível e tem os horários controlados a ponto de ter que deixar de estudar ou ter outras atividades fora, que nome você daria para isso? É, sim, trabalho escravo.
Como operadores do direito, temos o dever de orientar as pessoas para proporcionarem condições mínimas de trabalho e retribuir de maneira justa pelo labor despendido. O trabalho doméstico não é um favor que se faz a alguém. É um trabalho que deve ser remunerado.