Carlienne Carpaso e Eric Souza
carliene@tvclube.com.br
Agentes transformadores da sociedade, os promotores de Justiça deixam os seus gabinetes e vão às ruas ouvir a população e fazer a interlocução entre leis, as comunidades, o processo judicial e o Ministério Público. Eles exercem o papel de fomentar a cidadania, promover políticas públicas e reduzir as desigualdades sociais.
Nesta reportagem especial, o Portal ClubeNews conta as histórias de três promotoras de Justiça com atuação no Ministério Público do Piauí (MPPI). Naturais de estados diferentes, Joselisse Nunes, Áurea Madruga e Flávia Gomes escolheram o Piauí para impulsionar a transformação social, que gera conquistas e espalha benefícios – com papel de destaque – por todo o Brasil. Elas são coordenadoras dos Centros de Apoio Operacionais (CAOs) e destacam o impacto de suas atuações na vida dos cidadãos.
Infância e Juventude
Natural de Teresina (PI) e filha de professores, a promotora de Justiça Joselisse Nunes de Carvalho Costa inspirou-se no avô para seguir a carreira jurídica. Ao conversar com o Portal ClubeNews, a promotora revisita memórias e conta que
se encontrou – como agente transformador – no Ministério Público, quando passou a defender ideias e projetos que poderiam promover uma transformação social.
“A minha trajetória começou como advogada, depois fui procuradora federal do Instituto Federal do Piauí (IFPI), mas tanto na advocacia pública, quanto na privada, tinha uma coisa que me incomodava: eu não estava ali para defender
os interesses que acreditava. E essa oportunidade encontrei no Ministério Público”, confessa.
Joselisse Nunes começou uma nova etapa em novembro de 2000, quando ingressou no Ministério Público do Piauí (MPPI). Após 10 anos, ela iniciou os trabalhos específicos com o tema Infância e Adolescência ao assumir a Promotoria de Picos. Depois, foi para Parnaíba e, então, chegou a Teresina.
Já no Centro de Apoio Operacional de Defesa da infância e Juventude (Caodij),no qual atua como coordenadora, o trabalho em especial é fomentar a criação de projetos a serem desenvolvidos pelas promotorias nos municípios, fazendo
uma interlocução entre o Ministério Público e o sistema de garantias na busca por parcerias para otimização do trabalho da execução.
Com diversas conquistas, Joselisse Nunes cita com orgulho uma das principais transformações sociais promovida pelo Caodij: o Piauí deixou de ter apenas 19 Fundos Municipais da Infância e da Adolescência (Fias) e ultrapassou, atualmente, na etapa final do projeto, mais de 110 Fias. Somente em 2022, os fundos arrecadaram quase R$ 1 milhão por destinação de Imposto de Renda.
“Quando o Ministério Público iniciou o projeto, o Estado do Piauí, podendo ter 225 fundos – um estadual e 224 municipais –, só tinha 19. Hoje, nós já passamos de 110 fundos criados, depois do projeto do MPPI. O projeto alcança cada município por meio das suas promotorias”, disse.
Os recursos arrecadados são destinados aos projetos sociais voltados às crianças e aos adolescentes. Por exemplo: o Município lança edital para que organizações não governamentais se habilitem a desenvolver atividades, como escolinhas de futebol e de teatro. “Os fundos também servem para financiar famílias acolhedoras, medidas socioeducativas, capacitação de conselheiros tutelares. Tudo visando a melhoria do atendimento às crianças e adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade social”.
Neste momento, o Caodij caminha para alcançar uma nova meta: efetivar a implementação da Lei nº 13.431/2017. O projeto Acolher, do MPPI, surgiu da necessidade de tirar essa norma do papel, implementá-la e gerar benefícios às
crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. Tudo isso com um único objetivo: evitar a revitimização, para que a vítima ou testemunha não volte a reviver, por diversas vezes, a violência sofrida.
“O ideal é a criança ser ouvida minimamente, uma única vez. Nós temos duas formas de ouvi-la com objetivos distintos: o depoimento especial e a escuta especializada”, diz a promotora, explicando que, no caso do depoimento especial, acontece no Poder Judiciário ou no Inquérito Policial para produção de provas. Já a escuta especializada – dentro do sistema de garantias de direito de cada município – verifica quais as necessidades da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência têm para a medida de proteção a ser aplicada.
“As crianças e adolescentes não podem ser ouvidos por qualquer pessoa; elas precisam de um profissional capacitado, e essa escuta deve ocorrer em um ambiente adequado, seguindo o estabelecido em lei. Reviver uma situação, em vários órgãos, muitas vezes, sendo desacreditada pelos que deveriam lhe proteger por falta de formação específica, pode causar o que chamamos de violência institucional”, enfatiza.
O Centro de Apoio não tem o poder de execução direto nos municípios. Então, ele contata as promotorias que instauram os procedimentos e começam a acompanhar a implementação da política de escuta especializada na cidade, dentro do sistema de garantias do direito.
“A lei existe desde 2017, o decreto que a regulamentou foi editado no ano seguinte e, até hoje, no estado do Piauí, nós não temos nenhum município que tenha efetivamente adotado a escuta especializada nos moldes como a lei descreve”, lamenta a promotora.
Joselisse Nunes lembra que alguns municípios piauienses até realizam a escuta especializada, mas não como proposta pela lei. “Hoje, a gente capacita de forma gratuita os Municípios para fazer a implementação dessa escuta e fomenta por
meio das promotorias”. A expectativa é de que, assim como aconteceu com os fundos municipais, o projeto Acolher seja adotado por pelo menos 100 cidades piauienses.
Meio Ambiente
O Portal ClubeNews também conta a história da Áurea Emilia Bezerra Madruga, coordenadora do CAO de Defesa do Meio Ambiente. Ela nasceu em Mamanguape, na Paraíba, e mudou-se para o Piauí há 15 anos. O que a cativou no Ministério Público foi a atividade prática, que traz soluções para os problemas sociais de forma viável: “menos papel, mais ação”, define. Afinal, o promotor de Justiça exerce diariamente o desafio de ser agente transformador social.
Ao chegar ao estado, Áurea assumiu a promotoria de Arraial, a 249 km de Teresina (PI). À época, as eleições municipais aconteceriam em menos de cinco meses. Sua equipe visitou todas as sessões eleitorais, abrigadas em escolas públicas, e constatou que faltava ventiladores, bebedouros e até mesmo vasos sanitários.
Na sequência, a promotora abriu um inquérito civil para apurar os problemas estruturais e ouvir pais, alunos e agentes públicos. Viajava de barco, para algumas localidades, na companhia de conselheiros tutelares. Ao final, firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a prefeitura do município, que realizou as reformas necessárias. “Chamou minha atenção o fato de nenhum cidadão nos trazer aqueles problemas”, relembra.
Anteriormente, Áurea exerceu a função de promotora substituta em São Miguel do Tapuio; depois de Arraial, foi promovida a Itaueira, onde desenvolveu campanhas contra o consumo de drogas no ambiente escolar. Em seguida, trabalhou em Porto do Piauí, cidade na qual encontrou escolas de taipa, sem energia elétrica ou mesmo paredes. Atuou em vários âmbitos: infância e juventude, família, combate ao crime… até que, no ano de 2021, chegou ao CAO do Meio Ambiente.
Um dos projetos executados pelo CAO de Defesa do Meio Ambiente, em parceria com a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PI), é o Programa Zero Lixões. Graças
à intervenção das instituições, sete municípios piauienses já encerraram seus lixões a céu aberto e implementaram outros sistemas para o descarte adequado de resíduos sólidos – Água Branca, a 108 km de Teresina, possui uma Central
Ecológica de Tratamento, que recicla 90% do lixo recebido.
“Quando visitamos Água Branca, encontramos crianças se alimentando no lixão. Após o encerramento do local, os catadores que lá trabalhavam hoje têm sua carteira assinada e contam com equipamentos de proteção individual (EPIs).
Não mais se sujeitam a ambientes insalubres. Um de nossos objetivos é organizá-los em cooperativas para que atuem de forma digna”, aponta Áurea.
Outras temáticas abordadas pela promotora de Justiça, na função de coordenadora do CAO de Defesa do Meio Ambiente, incluem a efetivação do Comitê Interinstitucional de Prevenção a Incêndios e Controle de Queimadas, previsto na legislação do Piauí, e a criação de um fórum estadual para debater o uso de agrotóxicos. “Temos uma equipe muito arrojada, embora pequena, que se dedica com primor e bastante sintonia”, completa.
Educação e Cidadania
Há oito anos, Flávia Gomes Cordeiro ocupa o cargo de coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Educação e da Cidadania (Caodec), além de chefiar a 38ª Promotoria de Justiça de Teresina. Natural de Tianguá (CE), Flávia Gomes conhece o Piauí desde os cinco anos.
Ela cursou toda a educação básica no estado e concluiu a graduação em Direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Menos de um ano depois, passou no concurso do Ministério Público e, em 2002, tornou-se promotora de Justiça. Para ela, atuar na função é defender, em conformidade com a Constituição Federal, os interesses sociais e coletivos, além de deter a titularidade da ação penal.
“O Ministério Público é, certamente, a instituição com mais atribuições no regime democrático. Isso é uma
responsabilidade muito grande”, observa a promotora.
Flávia começou, porém, nas promotorias de Ipiranga do Piauí e José de Freitas. De lá, foi removida para duas entrâncias intermediárias: Miguel Alves e São Raimundo Nonato – morou por quatro anos no último município, onde especializou-se em temáticas cíveis, as quais tratam de direitos coletivos.
Quando ingressou no MPPI, comparava-se aos médicos clínicos-gerais, pois lidava com demandas como violência doméstica, crimes comuns, questões relacionadas à infância e juventude, ao meio ambiente, à educação, aos direitos
dos idosos e das pessoas com deficiência (PCDs), dentre outras atribuições.
À frente do Caodec, desenvolveu diversos projetos: o mais recente, intitulado “Na escola cabem tod@s”, elabora orientações e esclarecimentos aos gestores escolares para planejarem medidas destinadas ao fomento da educação
inclusiva e que atendam às diretrizes da Lei Brasileira de Inclusão, promulgada em 2015.
“A educação inclusiva é mais ampla que a especial – destinada a PCDs –, pois inclui recortes de gênero, raça, sexualidade. Essas discussões precisam ser bem-vindas às escolas. Não basta integrar, matricular um estudante. É necessário construir planos de atuação, com professores especializados, que supere as barreiras impostas pelo mundo para o pleno desenvolvimento; fortalecer a democracia e abrigar, na escola, a todos, independentemente de preconceitos”, explica Flávia.
Além do projeto, as campanhas “Queremos paz” – que tratou de assuntos como drogadição, mediação escolar, educação no trânsito e fortalecimento dos regimentos escolares –, “Isso é direito humano” – que elaborou a primeira cartilha sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos para crianças – e “MPPI na defesa da Assistência Social”, que abordou a estruturação dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) nas cidades do Piauí, fazem parte
das iniciativas promovidas pelo Caodec.
Mãe de duas filhas, Flávia julga importantíssima a presença feminina nas promotorias de Justiça e outros cargos de liderança, uma vez que o machismo e o patriarcalismo ainda possuem um impacto considerável no ambiente, inclusive, do Ministério Público.
“O olhar feminino, sem desmerecer o masculino, é clínico. Todas as dificuldades que enfrentamos para conciliar as vidas doméstica, familiar e materna com a profissional nos preparam e tornam mais resilientes. Vejo isso como sinal de maturidade nossa e reconhecimento, por parte da instituição, de nosso trabalho”, conclui.
TRANSFORMAR, MUDAR E CONTINUAR …
Inspirada pelas experiências do início da carreira, nas promotorias de Arraial e Porto do Piauí, Áurea Madruga compreende que o Ministério Público deve aproximar-se das comunidades e provocar mudanças ao levar adiante suas
reivindicações.
“A sociedade ainda não conhece a força de sua voz. Se o promotor quiser ficar no gabinete, ele fica; mas, se quiser deixar de ‘enxugar gelo’, precisa ir a campo”, reflete Áurea.
Já a promotora Joselisse Nunes comenta que ajudar a transformar a sociedade a faz acreditar que o mundo possa ser um lugar melhor para todos. “Além de transformar a realidade, me transforma. Estou contribuindo para um futuro
melhor, o qual desejo que meus netos vivam”, conta.
Convencida da responsabilidade que pesa sobre os ombros do Ministério Público, Flávia Gomes resume a razão que a motiva a prosseguir defendendo os direitos das camadas menos favorecidas: “O que me move é saber que ainda não alcançamos tudo o que desejamos para a sociedade, mas seguimos avançando”.
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