
Uma investigação da Polícia Civil do Piauí (PC-PI) revelou um esquema de fraude no sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe) do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI), que explorava uma vulnerabilidade no sistema para a manipulação de processos. A suspeita é de que mais de 100 processos foram fraudados.
A falha permitia a alteração de credenciais de acesso, facilitando a inserção de decisões fraudulentas. Segundo o TJ-PI, a brecha já foi corrigida com a implementação da autenticação de múltiplo fator.
A descoberta ocorreu em 2024, após uma denúncia do próprio TJ-PI ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A operação “Usuário Zero” levou à prisão de três pessoas: o ex-servidor terceirizado do TJ-PI, que intermediava os acessos ilegais; um advogado especialista em Direito Eleitoral; e um terceiro indivíduo, responsável por captar interessados no esquema fraudulento.
O Portal ClubeNews teve acesso a um dos depoimentos em vídeo do investigado à Polícia Civil do Piauí. No caso, o ex-servidor terceirizado do TJ-PI. O espaço está aberto para esclarecimentos do TJ-PI.
COMO ACONTECIA?
O investigado, que começou como estagiário e foi posteriormente promovido a assessor de magistrado terceirizado, declarou em depoimento como se aproveitou de uma vulnerabilidade do sistema para alterar e-mails e criar novas senhas de acesso a perfis de servidores.
“Eu vi que no sistema tinha uma facilidade, uma vulnerabilidade, da mudança do e-mail do servidor e gerar uma nova senha para ter acesso ao perfil daquela pessoa”, afirmou em depoimento.
A primeira invasão ocorreu no perfil do desembargador José James. A partir daí, ele passou a modificar os e-mails de recuperação de senha de outros perfis dentro do PJe, garantindo controle sobre diversos processos judiciais.
PROCESSOS
Uma das fraudes analisadas foi a anulação de questões de um concurso da Polícia Militar do Piauí (PM-PI), com a colaboração de um advogado que ajuizou a ação e contou com o despacho irregular do ex-servidor.
O acusado também revelou que a intermediação dos acessos era feita por meio de um terceiro indivíduo, que atuava como corretor entre ele e os advogados envolvidos.
Os pagamentos pelos serviços ilícitos eram realizados em espécie e variavam conforme a complexidade do processo.
“A minha participação era só inserir a minuta. Modificar a senha e inserir. A pessoa que intermediava (entre o ex-assessor e os advogados) recebia o dinheiro e repassava para mim. Em busca e apreensão, eu recebia em torno de dois a três mil reais em caso de êxito por processo”, relatou.
No caso da fraude que envolveu uma rede de postos de combustíveis, o ex-assessor admitiu ter recebido R$ 110 mil para trocar sentenças. O valor total dos bens confiscados nesse caso foi estimado em R$ 7 milhões.
Além disso, o ex-servidor alegou que os juízes não tinham conhecimento das fraudes e que apenas assinavam os processos por uma questão de confiança na equipe.
DESDOBRAMENTOS
O depoente afirmou que diversos advogados estavam cientes e participavam do esquema. As conversas e negociações ocorriam por meio de aplicativos de mensagens. Um arquivo contendo a relação completa dos mais de 100 processos fraudulentos, incluindo os nomes dos advogados e partes envolvidas, foi mencionado durante a investigação.
Um empresário, proprietário da rede de postos de combustíveis e apontado como um dos integrantes da organização criminosa, possui um mandado de prisão em aberto e, até a publicação desta matéria, não foi localizado.
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