
Relacionamentos abusivos são dolorosos, confusos e, infelizmente, comuns. No entanto, para muitas pessoas autistas, a vulnerabilidade diante desse tipo de situação pode ser ainda maior não por fraqueza, mas por características muito próprias do autismo. É importante deixar claro desde o início: a culpa do abuso é sempre do agressor, nunca da vítima.
Falar sobre isso é necessário, porque muitas vezes quem está sofrendo não percebe o que está acontecendo, ou se sente envergonhado demais para pedir ajuda. Neste artigo, compartilho reflexões a partir da minha experiência pessoal e da vivência de outras pessoas autistas que conheço, com o objetivo de ampliar o entendimento e fortalecer quem precisa.
- Confiança Literal: o risco de acreditar em tudo
Pessoas autistas costumam ser literais. Isso significa que tendem a levar as palavras dos outros ao pé da letra, assumindo que todos falam com sinceridade como elas próprias costumam fazer. Essa confiança genuína, que é uma das nossas qualidades mais belas, infelizmente também pode nos tornar presas fáceis para manipuladores, que se aproveitam da nossa boa-fé para mentir, distorcer fatos ou prometer o que jamais vão cumprir.
- Dificuldade em perceber sinais sutis de alerta
Enquanto muitas pessoas interpretam rapidamente pistas não verbais como tom de voz, expressões faciais ou linguagem corporal, pessoas autistas podem ter mais dificuldade em captar esses sinais. Isso nos leva a confiar mais no que é dito verbalmente, mesmo quando o corpo do outro está dizendo outra coisa. Assim, atitudes que soariam estranhas para a maioria podem passar despercebidas para nós até que seja tarde demais.
- Aproximação de pessoas “desajustadas”
É comum que pessoas autistas se sintam à margem dos padrões sociais, como se não se encaixassem em lugar algum. Esse sentimento pode nos aproximar de outras pessoas que também parecem fora do “sistema”, os chamados “desajustados”. Às vezes, essa conexão genuína traz conforto e pertencimento. Outras vezes, porém, pode nos colocar em contato com indivíduos manipuladores ou emocionalmente desequilibrados, que usam essa identificação como forma de controlar.
- Vínculos rápidos, intensos e ligações por trauma
Conversas superficiais costumam ser difíceis para pessoas autistas, que muitas vezes buscam profundidade, autenticidade e intensidade desde o início das relações. Por isso, é comum que criemos vínculos profundos rapidamente, especialmente quando há experiências de sofrimento em comum. Mas essa “ligação por trauma”, quando não saudável, pode se transformar em um relacionamento codependente, onde os limites se perdem e a dor vira cola, ao invés de cura.
Falar sobre esse tema é urgente. A sociedade ainda precisa aprender a proteger e acolher pessoas autistas, especialmente no campo dos afetos. Mas também precisamos aprender a reconhecer nossos próprios limites, a cultivar relações com base no respeito mútuo e a entender que merecemos amor sem dor, cuidado sem controle, e presença sem violência.
Se você está em um relacionamento abusivo, saiba: você não está só. Procure ajuda. Há redes de apoio, grupos de acolhimento, profissionais e pessoas que querem te ver livre, segura e feliz do jeitinho que você é.
Kyslley Urtiga – Psicóloga