
No próximo dia 10 de junho, celebraremos o centenário do nascimento de Clóvis Moura (1925-2003), sociólogo, historiador, jornalista e escritor piauiense que ocupa um lugar de destaque no pensamento social brasileiro do século XX. Natural de Amarante-PI, onde passou a infância, Clóvis Steiger de Assis Moura dedicou sua vida ao estudo da resistência negra contra a escravidão, tema que constitui o objeto de sua principal obra: Rebeliões de Senzala: Quilombos, Insurreições, Guerrilhas, publicada em 1959.
Quando criança, época que rememorou no poema Definição, o pai queria que “fosse fiscal do Imposto de Renda, advogado de banca, noturno membro da Society”. Ele bem que tentou, todavia, encontrou na atividade intelectual o sentido de sua existência. Buscava algo maior, queria “ver as estrelas”, o “crepúsculo e o espaço no bolso do paletó”. No início dos anos 1940, depois de residir em Natal e Salvador, sua família assentou-se em Juazeiro, no interior baiano. Neste período, Clóvis Moura integrou-se a um importante grupo de intelectuais baianos ligados ao Partido Comunista do Brasil (PCB), organização em que exerceu uma ativa militância política e cultural nas décadas seguintes.
Em 1948, então com 23 anos, o escritor piauiense decidiu escrever sobre as revoltas dos escravizados, no que foi desencorajado por Caio Prado Júnior que dirigiu-lhe uma carta apontando os inconvenientes de tal empreitada, como a ausência de fontes e o “esforço descomunal” que seria exigido. Após anos de árdua pesquisa e escrita, Clóvis concluiu seu Rebeliões de Senzala, livro que revolucionou a historiografia sobre a escravidão no Brasil ao ressaltar os quilombos e insurreições negras como uma resposta coletiva contra um sistema de trabalho ancorado no trabalho compulsório e na violência. Pela primeira vez, o negro era encarado como sujeito político. O conflito entre escravizados e senhores foi inserido na arena da luta de classes, perspectiva teórica tributária do marxismo que atingia em cheio a ideia de benignidade da escravidão brasileira presente nos trabalhos de Gilberto Freyre.
Em carta datada de 21 de julho de 1952, Caio Prado Júnior daria o braço a torcer ao admitir a Clóvis que “(…) O que você apresenta e traz para o melhor conhecimento de nossa história, já é muito, e representa por certo, um ponto de partida que nos faltava, para sistematização e compreensão geral de um assunto de considerável importância para nossa historiografia, que são as lutas de classe entre escravos e senhoras”. Não é nenhum exagero afirmar que estudiosos como Abdias Nascimento, Jacob Gorender, Ciro Flamarion Cardoso, Beatriz Nascimento, Flávio dos Santos Gomes e João José Reis, tiveram na extensa obra de Clóvis Moura um ponto de partida fundamental para construir novos e instigantes olhares sobre a escravidão no Brasil.
Ao longo de sua trajetória intelectual, o escritor amarantino publicou vinte e seis livros, sem contar os inúmeros artigos que saíram em periódicos diversos. Nos anos 1950, Clóvis Moura fixou-se em São Paulo, onde desenvolveu um assíduo trabalho na frente cultural do PCB, exercendo a função de secretário de redação da revista Fundamentos. Mesmo distante do Piauí, manteve uma correspondência sistemática com intelectuais piauienses como A. Tito Filho, que na condição de Presidente do Conselho Estadual de Cultura e da Academia Piauiense de Letras se empenhou ao máximo para trazê-lo a eventos literários realizados no Estado.
O historiador Odilon Nunes, outro ilustre amarantino, também foi um interlocutor privilegiado de Clóvis Moura. Em missiva dirigida ao conterrâneo, em 31 de dezembro de 1975, o historiador piauiense lhe encaminhou as edições de sua obra “Pesquisas para a História do Piauí”, pontuando que desenvolveu, em seu quarto volume, referências ao “negro no Piauí”, “especialmente sob o aspecto social”. Odilon ainda agradeceu o colega pela inclusão de seu nome no Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas. Nos anos 1980, Clóvis Moura colaborou com a revista Presença, editada pela Secretaria de Cultura do Piauí, preservando o vínculo com o Estado natal.
Intelectual orgânico, o autor de Rebeliões de Senzala ainda se destacou na militância no movimento negro brasileiro, notadamente no Movimento Negro Unificado (MNU) e na União dos Negros pela Igualdade (UNEGRO), nos anos 1970. Clóvis Moura nos deixou em 23 de dezembro de 2003, aos 78 anos.
No ano em que comemoramos o centenário deste eminente pensador social brasileiro, a maior homenagem que podemos prestar-lhe é ler sua obra e seguir trilhando suas lutas.
Ramsés Pinheiro