12 de junho de 2025

Dez dias que abalaram Teresina: a passagem da Coluna Prestes pelo Piauí (1925-1926)

Ramsés Pinheiro

Historiador
Publicado há 2 dias

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Entre os dias 23 de dezembro de 1925 e 1º de janeiro de 1926, a população de Teresina vivenciou momentos de medo e apreensão, algo incomum para aquela pacata cidade com pouco mais de sete décadas de existência. Dias antes, 90% de sua população tinha se retirado para zonas mais afastadas ou municípios vizinhos. Os que permaneceram na capital, obedecendo rigorosamente ao toque de recolher, trancaram-se em suas casas depois das 18h. O motivo de tamanha inquietação era a presença de tropas da Coluna Prestes estacionadas em Natal (Monsenhor Gil), a cerca de 60 km dali. De boca em boca, corriam rumores de que os colunistas preparavam-se para tomar a cidade. Àquela altura, trincheiras construídas no início de dezembro entrecortavam a região sul da capital.

Quem nos dá notícia deste clima de pânico narrado acima é o jornalista Chico Castro, autor do livro “A Coluna Prestes no Piauí”, publicado pela Editora do Senado Federal. O referido escritor nos conta que, em face do medo gerado pela aproximação da Coluna, sugeriu-se até mesmo transferir a capital para Parnaíba, como “medida de segurança ao governador”. A proposta foi rejeitada pelo chefe do executivo estadual, Matias Olímpio, e também pelos oficiais encarregados de defender Teresina, uma vez que poderia atestar uma impressão de fraqueza diante do inimigo, sem falar do caos administrativo que sobreviria a tal medida. A despeito do malogro deste projeto, Chico Castro aduziu que muitas senhoras da elite teresinense “chegaram a embarcar em vapores, nas imediações do Troca-Troca, para o litoral, levando joias, dinheiro e objetos de uso”. Temendo o pior, o Banco do Brasil também enviou seus arquivos para Parnaíba.

O que aqueles capitães e tenentes rebeldes estavam fazendo nos arredores de Teresina? Quais seus objetivos? Eles estavam realmente dispostos a invadir a capital piauiense? A Coluna Prestes foi a principal expressão do tenentismo no Brasil, movimento político levado a cabo por oficiais de baixa patente que buscava modernizar o Estado brasileiro através: de mudanças na superestrutura política (moralização do sistema político); combate ao poder das elites agrárias que sustentavam o domínio oligárquico; e sua superação por uma sociedade urbano-industrial. Em abril de 1925, remanescentes de levantes tenentistas derrotados no Rio Grande do Sul e São Paulo encontraram-se em Foz do Iguaçu, no Paraná, onde fundiram-se, constituindo a Coluna Prestes, nome proveniente da liderança do capitão gaúcho Luís Carlos Prestes. Ao marchar pelo território brasileiro, a Coluna pretendia propagar suas ideias políticas e estimular novos movimentos revolucionários no país.

Quando as forças da Coluna chegaram na cidade maranhense de Benedito Leite, próxima à Uruçuí, no sul Piauí, em 7 de dezembro de 1925, travaram um combate com as forças militares legalistas enviadas pelo governador Matias Olímpio. Chico Castro nos conta que os governistas sofreram uma fragorosa derrota para o Destacamento colunista de Djalma Dutra. No livro “A Coluna Prestes”, a historiadora Anita Leocádia Prestes asseverou que remanescentes do contingente derrotado retornaram em debalada fuga para Teresina, “o pânico tomou conta de toda aquela região, abrindo-se passagem livre para os revoltosos”. Chegando à Floriano, os colunistas desceram o rio Parnaíba em duas frentes: pelo lado maranhense marcharam Cordeiro Farias e Luís Carlos Prestes; pelo lado piauiense, Miguel Costa, João Alberto e Djalma Dutra. Os dois grupos rumaram para a capital piauiense.

Em entrevistas concedidas décadas depois, Prestes afirmou que a Coluna não intencionava tomar a capital piauiense. Anita corroborou essa informação, acrescentando que os colunistas não tinham recursos humanos e militares que permitissem o confronto com as forças governistas. De fato, desde o início de dezembro, encontrava-se em Teresina um contingente militar (PM e Exército) com cerca de 5 mil homens, sob comando do general catarinense Gustavo Frederico Benttemüller. Todavia, como argumentou Chico Castro, não teria como explicar a longa marcha da Coluna, de Uruçuí à capital piauiense, se não houvesse pelo menos uma expectativa de tomada da cidade, o que não se concretizou diante da avaliação de evidente desvantagem em que encontravam as forças colunistas. De todo modo, ocorreram diversas escaramuças nestes dias de “cerco”, com tiroteios em Teresina e Flores (Timon).

Nos últimos dias de 1925, os colunistas já tinham decidido retirar-se dos arredores da capital piauiense, todavia, a população teresinense, o governador do Estado e os comandantes militares encarregados de sua defesa não tinham como saber disso. A incerteza alimentava o sentimento de pânico entre a população e as autoridades. A notoriedade que a Coluna havia adquirido desde o início de sua marcha, o fato de não ter sofrido nenhuma derrota até aquele momento, além dos boatos espalhados por seus detratores, produziu em Teresina um medo social semelhante ao que o historiador Georges Lefebvre analisou ao estudar o Grande Medo de 1789, na França, quando boatos sobre uma reação da nobreza à revolução causaram pânico e revoltas generalizadas no campo.

Os colunistas captaram este sentimento de pânico e souberam utilizá-lo a seu favor. Quando o tenente cearense Juarez Távora foi preso pelos legalistas (ou se entregou, na versão de Chico Castro), o Bispo da Diocese de Teresina, Dom Severino, dirigiu-se ao QG da Coluna em Natal (Monsenhor Gil), onde encontrou-se com Prestes para dissuadi-lo de uma invasão à capital. Naquele momento, 3 de janeiro de 1926, os colunistas já estavam em processo de retirada para o Ceará. O capitão gaúcho conversou com o bispo e, dissimulando os verdadeiros planos da Coluna, exigiu a libertação imediata de Juarez, caso contrário, daria ordens para que suas tropas invadissem a Teresina pelo norte. Conseguindo desviar a atenção dos legalistas, a Coluna deixou o Piauí com tranquilidade em direção ao Ceará.

Em fevereiro de 1927, depois de percorrer cerca de 25 mil km, atravessando onze estados, a Coluna Prestes encerrava sua marcha. Diga-se de passagem, a maior marcha militar já registrada na história.

Ramsés Pinheiro – Historiador

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