
Já é comum ouvirmos que uma casa feita no estilo contemporâneo tem cara de clínica ou que não tem “cara de casa”. Essa percepção nos revela a profundidade de nossas relações com o espaço doméstico e as memórias construídas ao longo dos anos, as quais influenciam nossa visão do que seja “acolhedor” e do que nos parece “impessoal”.
Percebemos, assim, que as casas tradicionais contêm códigos visuais que a mente humana associa ao conceito de lar. Elementos como telhados aparentes, janelas de madeira, beirais, varandas e texturas naturais fazem parte de um repertório coletivo construído por gerações e que nos remetem ao que faz uma casa ter “cara de casa”. Essas características não apenas formam uma estética, mas ativam memórias afetivas, como a casa dos avós ou os da primeira infância. Com isso, essas construções são capazes de nos transmitir sensações de segurança, acolhimento e familiaridade.
Por outro lado, a arquitetura contemporânea busca, entre outras coisas, eficiência, funcionalidade e inovação técnica. Elas são dominadas por fachadas de vidro, linhas retas, platibandas (aquela parede que esconde o telhado), materiais como concreto e aço e cores neutras. Embora, por vezes, sejam tecnicamente superiores em alguns aspectos, como aproveitamento de luz e ventilação naturais, sustentabilidade e flexibilidade espacial, as residências dominadas por esses elementos podem parecer frias e impessoais.
Contudo, acredito que o problema não esteja necessariamente na arquitetura contemporânea, mas na forma como ela é frequentemente reproduzida. Afinal, quando se privilegia apenas a funcionalidade em detrimento do conforto físico, mental e emocional de quem habita o espaço ou se elimina completamente o que nos conecta com a natureza e tradições locais, criam-se casas estranhas ao nosso bem-estar.
Por outro lado, a resistência absoluta à arquitetura contemporânea, embora compreensível, pode nos impedir de descobrir novas formas de habitar. Essa visão ignora uma verdade fundamental: uma verdadeira casa não se define por sua antiguidade ou estilo arquitetônico, mas pelas pessoas que a vivenciam e memórias ali construídas, de modo que a casa contemporânea pode ser tão cheia de vida quanto a casa tradicional.
Dito isso, a meu ver, não há um estilo melhor que o outro. A questão central não é escolher entre o tradicional e o contemporâneo, mas criar espaços modernos e que preservam a essência daqueles elementos acolhedores. É preciso compreender que o verdadeiro lar contemporâneo dialoga com ambos os universos, ou seja, respeita nossa memória afetiva e abraça as possibilidades, sendo inovador e familiar ao mesmo tempo. Afinal, para que uma casa tenha “cara de casa”, o que importa é que ela desperte em seus habitantes a sensação de pertencimento, independentemente do estilo arquitetônico escolhido.