Um vídeo que mostra uma adolescente de 14 anos desenhando e dublando personagens no chão de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em Floriano encantou milhões de pessoas nas redes sociais. A publicação já conta com quase 10 milhões de visualizações no Instagram.
A gravação foi feita por Silvaneide Santos, ex-estagiária do centro, que atende pessoas com depressão, luto, ansiedade e outros transtornos mentais. Ela conheceu a adolescente no primeiro dia de estágio e contou ao Portal ClubeNews que ficou encantada com a cena. A menina, diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA) grau 3, se destaca pela criatividade, habilidade com desenhos e talento para dublagem de personagens.
“Eu estava sentada junto com os demais alunos esperando a nossa professora chegar e vi ela desenhando e narrando os personagens, achei lindo de ver e ouvir. Me aproximei e perguntei se poderia sentar ao lado dela, e ela disse que sim. Fiquei sentada e admirando o trabalho dela, e pedi que ela me desenhasse também. Logo ela concordou e pedi à mãe dela pra gravar (ela deixou). Falei pra ela do aniversário do meu filho e pedi um desenho dela pra ele, ela desenhou ele também”, relatou.
Mesmo após o término do estágio no CAPS, Silvaneide continua participando das atividades como voluntária. A história da adolescente e de outros pacientes atendidos no centro serviu de inspiração para a profissional, que pretende seguir carreira na área em que atuou durante o estágio.
“Ela é um amor. Essa é a beleza do autismo, se comunicar do jeitinho único de quem sente o mundo de forma diferente. Ela se expressa como sabe, como sente, como ama, no ritmo dela, com a voz que ela escolhe no momento. É algo lindo de se presenciar e se permitir olhar com outros olhos. O CAPS é algo que mudou meu modo de ver o mundo e espero conseguir fazer muito mais por lá e pra quem vai em busca de ajuda”, ressaltou Silvaneide.
A terapeuta ocupacional da adolescente, Silvana Barros, contou que a menina é atendida no CAPS há mais de sete anos e participa de sessões terapêuticas duas vezes por semana.
“Desde menorzinha ela faz isso, só que ela sempre gostou de fazer no chão. A gente começou a querer entender o por quê dela querer fazer no chão, aí eu comecei a dar folha, coleção [lápis de cor], tinta guache, mas não dá conta. Ela gosta muito de desenhar contando história”, explicou a terapeuta.
A dublagem dos personagens seria resultado da paixão da adolescente por animações, que ela costuma assistir pelo computador. Enquanto desenha, muda a voz para interpretar os personagens, que rapidamente ganham forma no chão do local e encantam os profissionais que acompanham seu trabalho.
De família
Moradora do bairro Meladão, a adolescente vive com os pais e o irmão mais velho, que também é autista e, assim como ela, possui habilidade com desenhos.
Com o objetivo de valorizar a aptidão artística dos irmãos, a terapeuta Silvana aproveita as oportunidades que surgem para expor as obras em feiras. Segundo ela, a adolescente tem preferência por desenhar bonecos, mas também se aventura criando retratos de colegas, cuidadoras e amigos.
Na maioria das vezes, a tela escolhida pela artista é o chão do CAPS, como flagrado no vídeo que chamou atenção do público nas redes sociais.
“Às vezes a gente deixa, às vezes a gente apaga e às vezes eu fico com pena, aí digo ‘não, apaga, não’, aí ficam uns dias e conforme as pessoas vão pisando, vai apagando. Na sala que eu fico tem os desenhos dela na parede que eu não tiro”, diz Silvana.
Apesar da aptidão na arte de desenhar e dublar, a adolescente não expressa em palavras o significado dos desenhos para os profissionais. É com o lápis e a dublagem que ela demonstra sua maneira de ver o mundo, através das histórias que ela assiste e que passam na sua mente.
O que diz a ciência
O médico neurologista Ricello Lima, especialista em Neurologia da Infância e Adolescência, explicou ao Portal ClubeNews que pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) podem desenvolver habilidades excepcionais em diversas áreas.
Segundo ele, o fenômeno é resultado de uma combinação de fatores, mas ressalta que essas aptidões artísticas não são uma regra para todos os casos.
“Quando essas habilidades estão presentes, nós temos aí um conjunto de elementos. Eles [autistas] possuem um processamento visual muito aprimorado, a atenção muito específica aos detalhes, e uma coisa muito importante a se colocar é o hiperfoco nas atividades visuais. Essa criatividade que elas apresentam pode ser em níveis diferentes e pode se manifestar de diversas formas”, pontuou o neurologista.
Ainda de acordo com Ricello, o apoio e o incentivo à prática dessas atividades são fundamentais, pois os autistas sentem prazer ao realizá-las, o que contribui para uma dedicação ainda maior e mais significativa.
“O mais importante é a gente entender que o autismo é um espectro e cada indivíduo tem as habilidades e interesses. É sempre importante a gente apoiar e incentivar essas habilidades, seja no desenho ou em outras áreas porque são fundamentais para o desenvolvimento e para o bem-estar da pessoa com autismo”, concluiu.
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