
Gosto de pensar que sempre tenho razão. Eu sei de tudo. O tempo todo. Todos os lugares conheço. Vou e volto de e para tudo, paro e começo, sou largada, largo, parto e nasço de novo: a imensidão inteira num mesmo lugar, nunca saio de mim.
O leão que marca a simbologia dos meus números, útero predito, me diz que sou o centro, o meu e o do mundo. Tudo me vê. Sou posto à prova, bom ou mau, lá estou eu, num pedestal. E mesmo quando não tenho algo, diz-me o leão: não te deram por isso ou aquilo. Vê? Há sempre um motivo.
Não se pode aceitar a indiferença do ao redor, toda a barulheira insuportável do entorno, as coisas gritando meu nome e os dos outros, os ventos da natureza e as montanhas inescaláveis, criaturas imponentes, potentes, enormes, bichos. Nada disso é indiferente. Não pode ser!
Como são todos tão alheios ao pódio em que sempre subo, de onde nunca saí ou saio? Olhem para mim! Me vejam! Piada pronta.
O que há nas montanhas ou nos ventos com o meu nome? Onde há burocracias, aquelas ou outras, que me sussurram um guarda-chuva de certezas? De onde tiramos, minha psicose e eu, o saber de tudo ou a relevância? Estou no pódio, mas estão cegos; ou todos veem, e sou comum?

Indo e voltando, como sempre faço, percebo que talvez valhamos, eu e minhas coisas todas, mais que estas notas. Por que brigar pela indiferença das montanhas? Ela inteira está lá. Não vou persistir em seus muros, se os lodos que lhe cobrem me afastam e me repelem. A montanha, ela inteira de um lado, desnuda e escorregadia. Encaro-a e não mais temo. Olho com a testa retorcida.
Tropeçou-se íngreme todo um caminho até a beira deste pedregulho enorme e, cá ao seu pé, perco o interesse. Não me interessa sua imensidão. Os custos da subida não valem a pena, calculo. Lá em cima, quando subir, não serei eu, o centro do mundo, quem desfrutará do infinito. Mas o escalador. Ele, que não sou eu, e que nunca fui eu, e que não era para ser eu, é quem iria vislumbrar um pavilhão inteiro, de cima, tentador e presente… que não me interessa.

Olho a montanha face a face, aperto os olhos como estava fazendo, somo, subtraio e multiplico, bato cabeça comigo, sozinho, respiro e paro. Um dia inteiro aqui, ali, em todos os lugares, no meio e no ao redor, porque eu já disse ser o tudo. Dou as costas. Vou embora. Que os escaladores se divirtam. Estas pedras não são para mim.
Quem sabe volto a pelejas semelhantes, mas com outras pedras, outras montanhas, e eu, não o escalador. Este eu, o centro do mundo, vai seguir o rugido felino do solo de terra, cavando buracos, construindo seus pódios, incomodando-se com a indiferença dos ventos, do tempo e do tudo… mas não das montanhas.
Patrick Torres – médico e escritor
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