
No coração do semiárido piauiense vive a estudante Izamara de Sousa, de 18 anos, um dos 30 jovens eleitos em 2023 para o projeto Parlamento do Futuro, da Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi). Ela cursa a 3ª série no Centro Estadual de Tempo Integral (CETI) Deputado Francisco Antônio Paes Landim Neto, em São João do Piauí, cidade distante 459 km da capital Teresina (PI).
A curiosidade pelo mundo político e a disposição pelo aprendizado acerca das tratativas parlamentares foram combustíveis para a inscrição da estudante no programa. Assim como ocorre em campanhas eleitorais, a candidata confeccionou cartazes e panfletos, pediu voto e promoveu sabatinas.
Sob a supervisão de um professor orientador, todos os aspirantes a deputado estadual no pleito estudantil foram desafiados a apresentar e defender um projeto de lei de sua autoria, alinhado às siglas partidárias que pertenciam.
“O meu projeto era o da implementação de aulas de informática nas escolas. Como já tinha um interclasse, eu também propus que tivesse mais jogos nos colégios. São escolas pequenas e o projeto serviria para ter mais interação entre os alunos, além do acesso à internet”, explicou Izamara de Sousa, eleita pelo Partido da Educação e Cultura (PEC).
O embarque rumo a Teresina aconteceu meses após a eleição. Em 26 de fevereiro de 2024, os 30 novos deputados foram diplomados pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PI) e, logo em seguida, tomaram posse no Plenarinho Deputado Prado Júnior, na Alepi.
Mais do que o processo democrático, o Parlamento do Futuro marcou o intercâmbio de vivências entre alunos de diferentes regiões do Piauí, representantes dos 12 territórios de desenvolvimento do estado. Izamara de Sousa lembra com entusiasmo o primeiro contato com os futuros colegas de bancada.
“Eles incorporaram esse espírito parlamentar. No último dia, teve um menino que levou uma nota de R$ 100 para debochar. O projeto dele era sobre os professores e ele foi falar que os salários dos professores não eram bons. Ele levou essa nota e falou ‘isso é basicamente o que o professor ganha no Piauí’”, contou.

Representatividade
Antes do início oficial dos trabalhos, os deputados precisaram montar duas chapas para concorrerem ao comando da Mesa Diretora, que é a responsável por regular os serviços da Casa durante as sessões legislativas. A Chapa 2, encabeçada pela estudante Luiza Maria, de 17 anos – do CETI João Henrique de Almeida Sousa, em Teresina – venceu com o total de 16 votos favoráveis.
A articulação política para a indicação de Luiza Maria deu início nos corredores do hotel onde estavam hospedados, angariando o apoio de correligionários ainda desconhecidos através da arte do convencimento. O feito entrou para a história: pela primeira vez uma mulher foi eleita para o cargo mais alto do Legislativo Piauiense, façanha nunca alcançada em 190 anos de existência da Alepi.
“Para mim, representa um símbolo de força, de que a mulher pode chegar em cargos de presidência, que ela pode se encaixar na política e em outros ambientes que geralmente são dominados pelos homens”, reforçou a estudante eleita pelo Partido do Meio Ambiente (PAMA).
O papel de liderança e a responsabilidade pela condução dos debates no plenário, desempenhados por Luiza Maria, foram as principais experiências levadas pela estudante na bagagem de volta para casa. A rotina escolar mudou, com novas atribuições e perspectivas diversas sobre o mundo político.
“Aqui na escola eu tenho mais voz na questão de poder argumentar. Na minha vida, eu comecei a me interessar mais em política. Eu sempre acompanho as notícias, ouço podcasts, debates sobre questões políticas. Foi um projeto que me agregou muita coisa, me abriu um leque de possibilidades sobre o que eu poderia fazer. Enxerguei que eu posso estar dentro da política. Antes, para mim, não havia essa possibilidade”, completou.
Desenvolvimento
Kaylane Mendes, de 18 anos, concluiu o ensino médio em 2024, na Escola Técnica Prefeito João Mendes Olímpio de Melo (Premen), na zona Norte de Teresina. Uma de suas proposições aprovadas no Parlamento do Futuro, apresentada pela deputada eleita pelo PEC, dispunha de momentos de recreação nas escolas durante o período do intervalo entre as aulas.
Para ela, a experiência de três dias de imersão como deputada estadual foi a turbina propulsora no seu desenvolvimento como cidadã. Kaylane Mendes deixou de lado o medo de falar em público para dar voz aos demais colegas do Premen Norte como presidente do grêmio estudantil.
“Eu não era tão extrovertida assim e eu também não falava tanto. Depois do Parlamento do Futuro, me aproximei mais da coordenação. O diretor sempre me chamava para dar sugestões. Eu ajudei eles na questão de gravações e edições de vídeos. Vamos dizer que eu revolucionei o Instagram da escola. Eles passaram a valorizar mais a criação de vídeos como um diferencial”, disse.
Experiência
Os rostos novatos e curiosos dos estudantes pelos corredores do imponente prédio da Assembleia Legislativa do Piauí contrastaram com a experiência enciclopédica de parlamentares que atuam na Casa desde o século passado.
O deputado estadual Wilson Brandão (Progressistas) completará, em 2026, 36 anos ininterruptos de mandato. Eleito consecutivamente desde 1990, o decano da Alepi – que também possui formações em Engenharia Elétrica, Direito e História – guarda vivo na memória resquícios de um parlamento que se tornou palco de discussões acaloradas.
“Na época em que Mão Santa foi cassado, em 2001, e assumiu o governador Hugo Napoleão, a Assembleia sentiu muito. Ficou um Poder muito dividido, porque existia a polarização entre PFL e PMDB. Eram bancadas muito próximas uma da outra em termos de números. Havia grandes oradores em plenário: Carlos Augusto, Leal Júnior, Marcelo Castro, Tomaz Teixeira, João Silva Neto”, recordou Brandão.
Entretanto, antes de abrir as portas aos anseios de representantes populares, a Alepi passou por intervenções, como o fechamento total em 1930 após o golpe de estado liderado por Getúlio Vargas. Wilson Brandão garante que a Assembleia ficou conhecida como a “Casa do Povo” somente a partir da redemocratização do Brasil e da consequente instituição da independência política entre os Poderes.
“Depois de 1990, neste novo prédio, a Assembleia se tornou realmente a Casa do Povo. Ela se abriu para o debate, para as audiências públicas, que não existiam. Ela abriu para que, nas comissões técnicas, nós convidássemos instituições, sindicatos e associações, para discutir os projetos que tramitavam na Casa. Até então, era tudo muito fechado”, citou o deputado.

Memória
Em 2025, a atual sede do Poder Legislativo, o Palácio Petrônio Portella – em homenagem ao ex-governador do Piauí – completou 40 anos. A estrutura, alicerçada sobre as pilastras da democracia, foi inaugurada em 1985 na gestão do ex-governador Hugo Napoleão (PSD).
Projetada pelo arquiteto carioca Acácio Gil Borsoi, a construção foi erguida às margens do Rio Poti, na Avenida Marechal Castelo Branco, em um terreno anteriormente pertencente à Secretaria de Estado da Cultura (SECULT). O espaço foi pensado para oferecer maior amplitude aos gabinetes dos deputados e comodidade à população que se dirigisse ao local.
“Ali tinha uma obra iniciada com apenas um patamar, que seria a biblioteca da Secretaria de Cultura. A SECULT foi para a antiga Assembleia, que na época era no Palácio Anísio de Abreu. Houve a permuta e a Assembleia foi para onde seria a biblioteca, que estava inacabada”, narrou Hugo Napoleão, que hoje reside em Brasília (DF).
Continuidade
Para dar prosseguimento a novos capítulos da história de 190 anos escrita continuamente, a Assembleia Legislativa deu início aos preparativos da segunda edição do Parlamento do Futuro. O lançamento oficial do projeto aconteceu no mês de outubro, com previsão de acontecer em fevereiro de 2026.
O presidente da Alepi, deputado Severo Eulálio (MDB), explicou que um dos objetivos do programa é poder transformar propostas escritas por alunos da rede pública estadual de ensino em matérias exequíveis para a realidade dos piauienses.
“A ideia principal é que nós parlamentares possamos aproveitar alguns desses projetos para propormos em nome da Assembleia Legislativa. A partir disso, debatermos e analisarmos essa proposta oficialmente para que no futuro possa virar um projeto de lei. Isso faz com que os nossos alunos possam se inteirar de como funciona o trabalho do Legislativo”, garantiu.

Papel social
Para além da função à qual foi institucionalizado, o Parlamento do Futuro cumpre um papel social: remodelar a visão sobre a realidade. Esse é o caso da estudante Sthefany Vitória, de 18 anos, aluna da 3ª série no CETI José Lustosa Elvas Filho, em Bom Jesus (PI), cidade distante 590 km de Teresina.
Sthefany Vitória vende trufas de chocolate na escola desde a 1ª série e foi eleita pelo Partido do Empreendedorismo e Geração de Renda (PEGR). A jovem bom-jesuense contou que teve a chance de conhecer pontos turísticos da capital, que antes poderiam ser acessados apenas com a ajuda de imagens da Internet.
“Até hoje a gente tem um grupo no WhatsApp no qual nos comunicamos e ficamos sabendo da vida do outro. Para nós, que não éramos de Teresina, tivemos a oportunidade de conhecer vários lugares, como o cinema, o zoobotânico, o Palácio de Karnak, além da Assembleia Legislativa, que é lindíssima”, citou.
Passada a euforia de viver uma experiência distante da rotina habitual, Sthefany Vitória uniu a experiência parlamentar ao sentimento de mudança, plantado durante os debates nas sessões plenárias. Com a ajuda dos colegas, reativou o grêmio estudantil e, desde então, contabiliza inúmeros feitos.
“Ano passado, fizemos arrecadação de alimentos e brinquedos para crianças carentes. Também temos a distribuição de absorventes para as meninas da escola e seguimos os professores na questão do esporte educacional. A gente trouxe o vôlei, porque só tinha o futsal. A gente ajudou a fazer a nossa quadra”, ressaltou a aluna.
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