13 de dezembro de 2025

O cabo que tomou o poder e governou o Piauí: Amador Vieira de Carvalho e a Revolta dos Cabos (1931)

Atualizado há 2 dias

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Quartel do Comando Geral da Polícia Militar do Piauí, situado na Praça Pedro II, em Teresina, um dos pontos tomados pela “Revolta dos Cabos”. Fotografia de 1939. Fonte: Arquivo Nacional.

Teresina-PI, 3 de junho de 1931.

Quartel do 25º Batalhão de Caçadores.

Quando o relógio marcou 1h da manhã, o cabo Amador Vieira de Carvalho disparou um tiro de fuzil para o alto. Era o sinal para o início do levante. Em poucos minutos, a totalidade dos soldados e cabos do 25 BC aderiu ao movimento. Três oficiais que encontravam-se no quartel, foram imediatamente detidos pelos rebeldes.

Segundo Amador, a motivação deste movimento, que ficaria conhecido como “Revolta dos Cabos”, residia nos castigos disciplinares aplicados diariamente aos praças e cabos pelo comandante do referido quartel, Coronel Sebastião Rabêlo Leite. Segundo declaração do primeiro-sargento José Ferreira de Azevedo Filho ao jornal Diário de Pernambuco, “no próprio dia do levante havia 72 praças presas, com as quais mais o cabo Amador fez o movimento”. Em entrevista concedida ao jornal Folha da Manhã, em 1963, o líder da rebelião aduziu: “Urgia que tomássemos providências para impedir mais humilhações”.

Depois de liderar a tomada daquela guarnição, o cabo Amador recrutou vinte praças e dirigiu-se ao Quartel do Comando Geral da Polícia Militar do Estado, detendo o oficial do dia, Tenente Julião Leão e todos os policiais que lá se encontravam. Em seguida, os rebeldes ocuparam o Palácio de Karnak, sede do governo estadual, onde encontrava-se o interventor federal Landri Sales, nomeado chefe do Executivo há menos de um mês. O líder do levante disse que postou dez sentinelas no Karnak, “até que o dia amanhecesse e houvesse um entendimento entre eu e o interventor Landri Sales”, provavelmente envolvendo a destituição do comandante do 25 BC. Outro grupo de rebeldes ocupou a Estação de Telégrafos.

Com o interventor refém dos rebelados, e a tomada dos pontos citados, o cabo Amador tornara-se, na prática, o governador do Piauí. Visando assegurar as posições conquistadas, o comandante da revolta determinou que uma patrulha se dirigisse à vizinha cidade de Flores (atualmente Timon) “com o objetivo de arrancar os trilhos da Estrada de Ferro São Luís-Teresina, deixando-a intransitável”, o que dificultaria a chegada de reforços em auxílio ao interventor. Buscando o mesmo objetivo, o militar também proibiu transmissões telegráficas para outros Estados.

De alguma forma, Landri Sales conseguiu fugir do Karnak, encontrando abrigo no Theresina Hotel, situado na Rua Álvaro Mendes. Todavia, numa nova reviravolta, o interventor foi recapturado por uma patrulha rebelde e conduzido, com outros oficiais, para Quartel do 25 BC, onde, segundo Amador, “as prisões estavam lotadas”. A esta altura, o líder do levante recebeu propostas de trégua do interventor, todavia, disse que recusou todas, pois naquela altura já temia as consequências de seu ato.

Na manhã do dia 4 de junho, Amador se dirigiu ao Quartel do 25 BC com alguns de seus companheiros. Ao chegar, surpreendeu-se ao saber que, na noite do dia anterior, um “nosso colega de luta”, o segundo-sargento João Baptista Calandi, “liderou um contramovimento, pondo em liberdade o interventor e oficiais”. O já citado primeiro-sargento Azevedo Filho emitiu outra versão sobre este episódio, afirmando que Calandi convenceu o cabo Amador a entregar-lhe a direção do movimento, no que terminou sendo atendido. De todo modo, uma vez libertados, o interventor e os oficiais do Exército iniciaram uma pronta reação.

Ainda na noite do dia 3 de junho, conforme pontuado pelo historiador Francisco Alcides do Nascimento, o Quartel da Polícia Militar foi recuperado por tropas oficiais, que “organizaram planos para retomar outros pontos”. Ao longo do dia 4, a reação tornou-se mais forte e os prédios sob controle dos rebeldes foram sendo paulatinamente retomados. Ao mesmo tempo, várias patrulhas estavam no encalço do cabo Amador, vigiando a Estação da Estrada de Ferro e outros pontos de saída de Teresina. Diante do dilema de fugir ou ser preso, o líder do levante decidiu pela primeira hipótese, adentrando no Maranhão por Flores.

Na noite do dia 4 de junho, o interventor encaminhou um telegrama ao chefe do governo provisório, Getúlio Vargas, informando-o sobre os últimos acontecimentos e, ao mesmo tempo, afirmando a situação de calma na cidade. Se houvesse de fato um estado de tranquilidade na capital piauiense, Landri Sales não teria publicado, no dia seguinte, uma nota no “Diário Oficial”, pedindo calma à população teresinense, nem argumentado que o governo achava-se aparelhado para manter a ordem. Outra afirmação controversa, uma vez que, alguns dias depois do levante chegaram em Teresina reforços militares vindos do Maranhão e do Ceará.

Nascimento comentou que o inquérito militar aberto para apurar a conduta dos sediciosos piauienses culminou na desincorporação de mais de uma centena de soldados e na prisão de vários outros. Os presos foram embarcados para São Luís, no Maranhão, e, posteriormente, para Recife, em Pernambuco. No final de 1931, os rebeldes piauienses foram anistiados e reincorporados ao Exército. Depois de vagar pelos Estados do Maranhão, Pará e Pernambuco, o cabo Amador soube do perdão dos rebelados e retornou ao Piauí. Pouco tempo depois, em 19 de janeiro de 1932, foi preso sob ordens do comandante do 25 BC, todavia, libertaram-no em menos de 24h, com a advertência de que deixasse Teresina.

A “Revolta dos Cabos” tornou-se um tema instigante para os observadores da época, despertando as mais diversas hipóteses. Para o grupo político de Matias Olímpio, ex-governador do Estado, o levante tinha sido promovido sob os auspícios do Desembargador Vaz da Costa, cujo plano seria derrubar Landri Sales e recuperar a influência perdida no governo estadual. Uma tese problemática, na medida em que o próprio Vaz da Costa foi um dos civis presos pelos amotinados. Outra hipótese, levantada por Higino Cunha, consistiu em atribuir um caráter comunista à revolta. A despeito de o cabo Amador incorporar-se ao Partido Comunista do Brasil (PCB) anos depois, não existe nenhuma evidência de que o movimento dos praças e cabos piauienses de 1931 fosse guiado por uma ideologia marxista.

Ao analisar a “Revolta dos Cabos”, devemos voltar nosso olhar para o contexto histórico mais amplo. Desde a década anterior, havia uma grande efervescência entre os militares subalternos, processo evidenciado em episódios como a Revolta dos 18 do Forte (1922), a Revolta Paulista de 1924 e a Coluna Prestes (1925-1927), marcos do que ficou conhecido como tenentismo. Os militares subalternos foram parte ativa na Revolução de 1930, inclusive no Piauí, onde praças e cabos do 25 BC foram mobilizados para derrubar o governador João de Deus Pires Leal, em 4 de outubro daquele ano. Pouco tempo depois, estes mesmos militares foram enviados para os Estados do Pará e da Paraíba com o propósito de lutar pela revolução.

Deste modo, é razoável que os praças, cabos e sargentos que rebelaram-se contra o comando do 25 BC, em 3 de junho de 1931, acreditassem que o regime instaurado em 1930 devia-lhes um tratamento digno e honroso, compatível com seus serviços pela revolução. Não por acaso, o sargento Benedito Nogueira de Holanda, um dos presos pela participação no levante piauiense, declarou ao jornal Diário de Pernambuco que ele e seus companheiros não eram criminosos, pelo contrário, todos tinham “serviços prestados à Revolução”.

A despeito de continuarem desconhecidos para grande parte da população do Estado, Amador Vieira de Carvalho e os cabos e praças que o seguiram naquele dia 3 de junho protagonizaram um dos episódios mais memoráveis da História do Piauí.

Ramsés Pinheiro – historiador

Referências

MELO, Antonio Maureni Vaz Verçosa de. Compartilhado ideais e tecendo o poder: atuação dos intelectuais piauienses na Era Vargas no Piauí (1930-1945). 2021. 421f. Tese (Doutorado em História Social). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2021.

NASCIMENTO, Francisco Alcides. A Revolução de 1930 no Piauí: 1928-1935. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1994.

SANTOS, Gervásio; KRUEL, Kenard. História do Piauí. Teresina: Zodíaco, 2009.

CABO Amador governou o Piauí. Folha da Manhã. Teresina, 23 de junho de 1963.

O MOTIM Militar do Piauí em junho último. A Razão. Fortaleza, 9 de setembro de 1931.


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