23 de dezembro de 2025

No ‘Andar de Cima’: como raça/cor e sexo dividem os 10% mais ricos no Brasil?

Sociólogo
Atualizado há 1 hora

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Desigualdade de renda no Brasil (Foto: g1)

A desigualdade de renda no Brasil costuma ser examinada a partir da base da pirâmide social, com ênfase nas privações e nas situações de pobreza extrema. O exercício desenvolvido aqui desloca o foco para o chamado “andar de cima” da estrutura social, buscando compreender como se organiza o topo da distribuição de renda quando raça e sexo são considerados de forma simultânea. A pergunta que orienta a análise é direta, ainda que suas implicações sejam complexas: quem ocupa o “andar de cima” no Brasil e como essa ocupação se distribui socialmente?

Para responder a essa questão, foram utilizados os microdados da PNAD Contínua do IBGE (terceiro trimestre de 2025), considerando pessoas com 14 anos ou mais de idade que declararam rendimento monetário positivo. A variável de interesse foi o rendimento mensal habitual de todos os trabalhos, escolhida por refletir a posição econômica regular das pessoas. O “andar de cima” foi operacionalizado a partir do percentil 90 da distribuição de renda, calculado com ponderação pelos pesos amostrais da pesquisa, respeitando o desenho estatístico do levantamento. Em termos empíricos, esse procedimento permite identificar o grupo que concentra os 10% mais altos rendimentos do país.

Uma vez definido esses limites, passa-se a examinar a composição do “andar de cima” a partir do cruzamento entre sexo e raça/cor, considerando todas as categorias adotadas pelo IBGE: branca, preta, parda, amarela e indígena. O gráfico apresentado na sequência condensa esse exercício empírico e evidencia que o topo da renda brasileira não constitui um espaço socialmente neutro. Observa-se uma concentração expressiva de homens brancos, responsáveis por pouco mais de dois quintos dos 10% mais ricos, seguidos pelas mulheres brancas, cuja participação se aproxima de um quarto desse grupo. Em um patamar inferior, mas ainda relevante, aparecem os homens pardos, já separados por uma distância considerável, enquanto as mulheres pardas ocupam posição subsequente. Homens e mulheres pretos figuram em parcelas menores, e as populações indígena e amarela aparecem de forma residual, indicando que o “andar de cima” é atravessado por hierarquias raciais e de gênero que estruturam sua composição interna.

Esses achados indicam que o andar de cima no Brasil é fortemente marcado por hierarquias raciais e de gênero. Mesmo entre pessoas que compartilham rendimentos elevados, as chances de acesso e permanência no “andar de cima” variam de forma sistemática conforme a combinação entre raça e sexo. O que o gráfico evidencia não é apenas desigualdade de renda, mas desigualdade estrutural na composição do próprio topo da sociedade.

A leitura desses resultados se beneficia diretamente do conceito de interseccionalidade, tal como formulado por Patricia Hill Collins. Para a autora, os sistemas de dominação não operam de maneira isolada, mas articulada. Racismo, sexismo e desigualdade de classe se entrelaçam, produzindo posições sociais específicas e hierarquizadas. O que se observa no “andar de cima” brasileiro dialoga com essa perspectiva. Homens brancos ocupam a posição dominante não apenas por estarem entre os mais ricos, mas porque se beneficiam de uma convergência estrutural entre privilégios raciais, de gênero e de classe. Mulheres brancas, embora compartilhem do privilégio racial, enfrentam limites associados ao gênero. Já homens e mulheres pretos e pardos permanecem sub-representados no topo, mesmo quando alcançam rendimentos elevados, o que sugere a persistência de barreiras raciais que não se dissolvem automaticamente com o aumento da renda.

Não há a intenção de esgotar o tema, algo que é impossível. Porém, a análise sugere que tratar os 10% mais ricos como um grupo homogêneo obscurece diferenças internas relevantes e dificulta a compreensão das dinâmicas de poder que estruturam a sociedade brasileira. O cruzamento entre raça e sexo mostra que o andar de cima reproduz hierarquias antigas sob novas configurações. A articulação entre teoria e método, aqui, não tem a pretensão de encerrar o debate, mas de oferecer uma leitura empiricamente informada sobre quem ocupa o topo e sob quais condições. Após esse texto, existe um link público para o código utilizado (o código foi trabalhado no ambiente RStudio), busca tornar esse processo transparente e replicável. O que permanece em aberto é até que ponto o andar de cima brasileiro é um espaço de mobilidade ou, sobretudo, um espaço de reprodução persistente das desigualdades sociais.

Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva
Doutor em Sociologia


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