Emanuel Pereira*
emanuelpereira@tvclube.com.br
Imagine que o seu filho tenha um comportamento um pouco incomum nos primeiros anos de vida, como brincar de bonecas ou gostar de roupas de meninas. E, em uma conversa inesperada, ele diz que, na verdade, é uma menina, mas “uma fadinha o transformou em um menino”. Qual seria a sua reação? A da ativista e produtora de moda, Amanda Pitta, foi de acolhimento e respeito. Hoje, a filha, que é trans, tem 12 anos.
Amanda reside em Teresina (PI) com as três filhas, incluindo a adolescente. No início, ela imaginou que a convivência da caçula com as irmãs explicaria as atitudes consideradas atípicas para um menino. Mas, depois, a mãe percebeu ser algo natural.
“Eu era uma mãe comum, de duas meninas e um garoto, até ele me falar que seu nome era Raquel. Eu tomei um susto, mas não me importei, pois as brincadeiras na minha casa sempre foram liberais. Nunca existiram brinquedos somente masculinos ou femininos”, disse.
Na penúltima matéria especial da série “Nas cores do arco-íris“, o Portal ClubeNews conta a história de uma mãe que luta diariamente para sua filha ter o direito de ser quem ela é.
Ao agir com transigência e respeito, Amanda rompeu o ciclo de violência e de rejeições sofridas pela comunidade LGBTQIAP+, além de ensinar que pais devem amar seus filhos, independentemente da identidade de gênero.
A TRANSIÇÃO
Amanda não precisou do diagnóstico de um profissional para entender o que estava acontecendo, mas buscou ajuda de uma psicóloga para acompanhar a transição de gênero da filha, que iniciou aos 3 anos. Tudo aconteceu de forma gradual e tranquila, disse a mãe ao Portal ClubeNews.
A mãe precisou enfrentar acusações por parte de familiares e da sociedade intolerantes, que não compreendiam o quanto esse processo de respeito à identidade de gênero iria proporcionar uma vida melhor à sua filha.
“As pessoas me acusavam de que eu sempre tratei ela como menina mesmo quando, biologicamente, ela era um menino. Mas sempre fiz tudo conforme a identidade de gênero da minha filha. Durante a transição, ela não foi forçada a nada, porque tudo acontecia conforme o tempo dela, como a forma de se vestir, o comprimento do cabelo, e decidiu seu novo nome. Encarei tudo com muita naturalidade, só que eu precisava fazer as pessoas entenderem este processo”, destacou.
Junto à menina, a produtora de moda também realizou uma importante transição, pois Amanda se transformou em uma mãe pioneira, que conquistou destaque no Piauí ao lutar pelos direitos da filha trans e de toda a comunidade LGBTQIAP+.
A TRANSFOBIA
Com a transição de gênero da menina, Amanda tinha consciência de que ela iria ser vítima de transfobia, principalmente fora do ambiente familiar.
A mãe relata que a filha chegou a ser discriminada, inclusive, nas escolas particulares, pois as gestões não aceitavam o uso do nome social.
Somente após acionar o Ministério Público, ela conseguiu vaga para filha em uma escola pública. Tudo parecia estar bem, até surgir um Projeto de Lei (PL), por ela considerado transfóbico.
“Uma vereadora propôs a PL 20/2016, que barrava livros e materiais didáticos que abordassem discussões de gêneros. Isso me preocupou muito, pois, se não houvesse esse debate, minha filha poderia não ser respeitada. Além disso, o gênero também envolve outras questões, como o machismo, pelo qual mulheres são minimizadas e violentadas pelos homens”, frisou.
Preocupada com o futuro da garota, Amanda escreveu uma carta para o então prefeito de Teresina, Firmino Filho, na qual pediu o engavetamento da proposta.
“A questão de gênero é uma realidade na rede pública municipal. É contraditório existir leis de inclusão de pessoas LGBT, e não poder falar sobre elas”, diz um trecho da carta. O Projeto de Lei foi arquivado em maio de 2016.
A MILITÂNCIA
Ao lutar pelo veto do projeto de Lei, Amanda percebeu que deveria dedicar parte do seu tempo à militância da comunidade LGBTQIAP+.
“Fiz parte de projetos e também atuei sozinha. Já viajei para dar palestras em vários lugares e participei de uma reunião em Brasília, no Ministério Público Federal, com movimentos sociais”, relatou.
A ativista parou durante algum tempo a pedido da própria filha, que ficou preocupada ao saber, em um programa de TV, que o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo.
No momento, ela faz parte de um projeto chamado “Coletivo 086”, pelo qual ela promove tolerância e acolhimento a outras pessoas trans, da mesma maneira que fez com sua filha.
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*Estagiário sob supervisão da jornalista Carlienne Carpaso
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