Cuscuz afetivo: comida aproxima piauienses da terra natal

O prato é reconhecido como Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco pelo vínculo afetivo que passa por gerações

Herlem nasceu em Teresina-PI e atualmente mora em Caxias do Sul-RS. (Foto: arquivo pessoal)

Lucy Brandão
lucy@tvclube.com.br

O cuscuz, alimento simples e barato no Nordeste, é cobiçado em outras regiões do país e se tornou um símbolo de conexão com as tradições familiares para quem mora longe da terra natal. É o caso do farmacêutico Herlem Rodrigues, nascido em Teresina-PI e morador de Caxias do Sul-RS. “Quando eu faço cuscuz eu me lembro das manhãs de domingo quando acordava com o cheiro, aí quando eu ponho leite junto é uma viagem de história e sabor”, relata.

O piauiense conta que é difícil encontrar a massa para preparo do cuscuz lá na região Sul. “Já tive que importar do Piauí, mas um dia andando pelo supermercado, eu e minha amiga, achamos uns pacotes perdidos. Compramos todos os que encontramos. Ao chegar no caixa, pedimos a moça que ela conversasse com o gerente e pedisse para comprar mais, pois ali perto moravam muitos nordestinos. Ainda passamos a receita”, revela Herlem.

Para ele, cuscuz é muito mais que um alimento. “É uma aliança com minhas raízes, minha família e motivo de orgulho, porque quem não conhece, prova e adora”.

Cuscuz afetivo

A expressão comida afetiva – ou comfort food, termo em inglês que ajudou a disseminar o conceito – remete a pratos simples que lembram uma memória agradável do passado, um familiar ou amigo querido. Há ligações também com a cultura, as tradições, os regionalismos e as sensações de conforto e bem estar, promovendo a ideia de que aquele alimento não é apenas para o corpo, mas também para a alma.

Casa de vó

As lembranças que o cuscuz trazem são fator comum entre os depoimentos de piauienses que hoje moram longe do estado. O jornalista Carlos Rocha, natural de Parnaíba-PI e morador de Cuiabá-MT, relembra que o prato tem a cara de cafés da manhã em família, onde não falta cuscuz com manteiga, ou dos cafés da manhã nos mercados públicos do Piauí, onde a receita é acompanhada da carne de sol.

“O cuscuz é claramente um prato afetivo. A minha lembrança mais carinhosa com o cuscuz vem das casas das minhas avós. Elas costumavam fazer cuscuz para o lanche da tarde. Eram sempre cuscuzeiras cheias que alimentavam quem chegasse para fazer uma visita. O cuscuz era o prato de recepção junto com o cafezinho passado na hora”.

Além do cuscuz com carne de sol, ele relembra que a família também consumia o prato com ovo, acompanhado do café ou molhado com leite de coco. “A comida regional nordestina é o gosto de casa, a lembrança do lar”, diz.

Para Carlos, a desvantagem de morar longe é a dificuldade de encontrar massa de milho para comprar na cidade em que vive atualmente. “Já tive dificuldade de achar a massa algumas vezes. Ainda não tive de carregar na mala, mas, se preciso for, com certeza vou trazer [do Piauí] porque não dá para passar sem ele”.

Ligação com o Piauí

Para manter viva a tradição e espalhar o carinho pelo Brasil, a professora Lamara Andrade, natural de Novo Oriente do Piauí, come cuscuz e dá para os filhos Bernardo e Cecília, nascidos em Curitiba-PR, onde a família mora atualmente. Ela diz que é uma forma de se manter próximo à terra natal e transmitir a cultura nordestina. “Aqui a gente não só come, mas oferece para convidados, serve em festinhas que a gente faz”, revela.

Para os filhos de Lamara, que são curitibanos, o cuscuz é parte da alimentação habitual da família. “Uma das coisas mais importantes pra gente é isso, é fazer com que o paladar das crianças seja ligado à culinária e aos alimentos do Piauí. Então, desde que começaram a comer, depois do leite materno, eles comem cuscuz. Como é um bolinho de milho e muito saboroso, as crianças adoram”.

Na foto antiga, Bernardo e Cecília estão sentados à mesa comendo cuscuz no café da manhã. (Foto: arquivo pessoal)

De onde vem?

Os estudos mais consistentes apontam que o cuscuz nasceu no norte da África, criado pelo povo berbere, que significa “homens livres” – africanos que não foram escravizados. Há relatos também de que o cuscuz já existia na Idade Média e era consumido de forma diferente por diversos povos.

O alimento feito de milho chegou ao Brasil por meio dos portugueses e logo foi adotado pelos indígenas. Mas foi no Nordeste que o prato ficou conhecido e criou raízes. Atualmente o cuscuz é reconhecido como Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco.

O pedido junto ao Comitê de Patrimônio da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura foi feito conjuntamente entre Argélia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia. Mesmo sem ter sua origem definida, o comitê aprovou a requisição com base em um argumento comum a todos os países e culturas que consomem a iguaria: “O melhor cuscuz é o da minha mãe” – que indica a tradição do prato passada de geração para geração e mantém um vínculo afetivo que vai além da comida.

Homenagem do portal ClubeNews ao Dia Mundial do Cuscuz, comemorado em 19 de março.

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Fonte: *colaboração da jornalista Carlienne Carpaso


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