25 de julho de 2025

O limite do humor. Existe?

Wenner Melo

Publicado em 23/05/2023 15:19

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humor piada

Por Procurador-Geral do Município, Wenner Melo*
Especial para Portal ClubeNews 

Humoristas de todo o país questionam a censura nos palcos. Segundo esses, o politicamente correto vem cerceando o direito ao riso. Do outro lado, grupos representativos de minorias anseiam pelo dia em que não haverá mais qualquer piada dita ofensiva contra aqueles que representam. O debate é longo e intenso. Quem tem razão nisso tudo?

O humor é uma das mais antigas manifestações culturais do ser humano. Conhecemos, por exemplo, o humor grego, de milhares de anos. Há humor até na Bíblia, principalmente por meio da ironia, uma de suas manifestações. A questão é: o humor deve ser sempre aprazível aos nossos ouvidos?

Acredito que não. O humor diverte, mas também constrange. O humor entretém, mas também choca. E é nesse ponto que muitos veem que chegou a hora de dar um basta nesse tipo de humor, o humor negro. Mas o que de fato importa: o que se fala ou o ambiente no qual se fala?

Não devo ir à praia trajado de advogado. Chamar-me-iam de louco. Do mesmo modo, não devo ir ao tribunal de sunga. Eu seria detido. Novamente, a questão é o que se veste, o que se fala, ou o ambiente?

Outro dia minha vozinha assistiu a uma luta de MMA transmitida dos EUA. Ela ficou chocada ao ver um socando o outro até sangrar: um país grande e rico não tem uma polícia? Achei muito engraçado o comentário. Mas ela estava séria. Não compreendia que se tratava de um esporte e que havia muitos policiais na plateia, assistindo a tudo. Vovó só compreendeu quando eu expliquei que aquela luta era permitida, mas só enquanto estivessem no octógono. O octógono era o lugar adequado para aquela prática esportiva. Além disso, informei que os lutadores eram capazes de entender e de decidir se iriam ou não participar. No direito penal isso se chama exercício regular de direito, uma das excludentes de ilicitude, que descaracteriza a prática criminosa.

Conclui dizendo que seria crime se a luta ocorresse fora do octógono. Então, a polícia certamente deteria pessoas que estivessem lutando fora daquele ambiente.

Sobre os trajes e as lutas, percebem que não é a roupa em si ou a luta que me colocam em uma situação desfavorável ou até mesmo criminosa, neste último caso, mas sim a situação, o momento, o intento?

No humor é assim também. Não é o que se fala, mas sim o ambiente em que se fala. Deve-se ponderar a intenção do artista. Será se naquela fala ele quer mesmo destruir a imagem de alguém? Quando faz piadas com pessoas trans, quer mesmo reduzi-las a nada ou não, é pelo humor?

Sair à rua e chamar uma pessoa de orelha de abano e outra de narigudo, além de deselegante, seria um ato criminoso, passível de punição. Contudo, quando o artista, no palco, dialogando com a plateia, refere-se a alguém com esses adjetivos, não me parecem ser atitude criminosa. Eu explico.

No primeiro caso, eu tive a consciência e a vontade de ofender alguém. Nos palcos, não. Durante o show, o artista fala de inúmeras pessoas, ressalta características pessoas e as evidências. Aqui, portanto, a intenção não é de ofender alguém, mas entreter, por mais grave que seja a piada.

A proteção a grupos vulneráveis é necessária, assegurada pela Constituição Federal, merecendo punições severas. No entanto, não é justo punir um artista com a mesma gravidade que se pune alguém que sai de casa para ofender outrem. Ou utilizamos determinados filtros, ou veremos humoristas serem cancelados por suas piadas (já é realidade), sendo tratados com o mesmo rigor que alguém que ofendeu por ofender, que reduziu por reduzir.

Outro dia o humorista Emerson Ceará afirmou em um show que estava sendo processado por dizer que “ficou com uma cadeirante”. Segundo o artista, o processo se deu porque cadeirante é palavra preconceituosa, devendo o humorista ter utilizado o termo pessoa com deficiência.

Neste momento, em que humoristas estão sendo cancelados, eu proponho um filtro, que não é meu. Eu proponho a intenção, o desejo, a finalidade do agir como norte para nos guiar, sob pena de cercearmos qualquer pessoa não pelo que ela quer dizer, expressar, mas pelos exatos termos que saíram de sua boca, sem se aferir o tom, o contexto, o ambiente. Isso não é justiça, mas censura.

Mas quem se sentiu ofendido não pode fazer nada? Não é isso. Inclusive, já há vários julgados condenando humorista a indenizar por falas proferidas em shows. Mas não o são processos criminais, não são crimes, mas ilícitos da órbita cível. É um direito à reparação quem se sentiu ofendido. O questionamento aqui, contudo, é outro, é querer igualar, tratar como criminoso o humorista que, no palco, profere suas piadas, o seu humor negro, que tem plateia, que tem público para isso.

Dessa maneira, conclui-se que há limite no humor, não da forma que muitos querem, tentando criminalizar conteúdos humorísticos, mas há (que não se trata bem de um limite para o humor, mas sim que regulam as relações interpessoais, afinal, quem se sentir ofendido pode requerer reparação). Quando Rafinha Bastos foi processado por Wanessa Camargo, ali houve um limite, o limite da honra, devendo o humorista reparar, indenizar. Mas, insisto, não se tratava ali de crime, mas de ilícito civil.

Em síntese, respondo sim à pergunta que inaugura este texto, logo no título. Há, sim, limite no humor. O limite é a intenção. Se a intenção é entreter, por mais “pesada” que seja a piada, eu não posso criminalizar o artista. Crime é para quem tem a intenção de algo perverso contra alguém, o mal pelo mal. Não é o caso do humor. Aqui, o sentindo, o intento é outro. Quando o humorista, no palco, diz que odeia coach, odeia ciclista, ele não odeia de fato. É tão somente um recurso para destacar determinadas características desses grupos, e o riso vem da identificação da plateia com essas características. Não há crime aqui.

*Procurador-Geral do Município. Pós-graduado em Direito Público. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC). Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Advogado em Charlles Max e Rafael Neiva

 

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