
Tem coisa que a gente sente e ignora. E tem coisa que a gente nem sente, mas devia. A pressão alta é um desses perigos que se acumulam silenciosamente até o dia em que cobra a conta — e, muitas vezes, essa cobrança vem na forma de um infarto, AVC, insuficiência renal, ou até morte súbita.
A hipertensão arterial é mais comum do que se pensa: afeta quase metade da população adulta e é o principal fator de risco para doenças cardiovasculares, que continuam liderando as causas de morte no Brasil e no mundo. Mesmo assim, a maioria das pessoas não sabe que tem, e entre as que sabem, poucas estão com a pressão sob controle.
Os dados mais recentes são preocupantes: menos de um quarto das mulheres e menos de um quinto dos homens hipertensos estão devidamente tratados. A pandemia de COVID-19 só agravou esse cenário, reduzindo o acompanhamento médico regular e atrasando ajustes necessários nos tratamentos.
É importante entender que ter pressão alta não é exclusividade de quem “passa raiva” ou vive estressado. Embora o estresse seja um fator contribuinte, existem muitos outros elementos por trás do aumento da pressão arterial: alimentação rica em sal e alimentos ultraprocessados, consumo excessivo de álcool, sedentarismo, excesso de peso, noites mal dormidas, além da predisposição genética e da idade.
À medida que envelhecemos, o risco aumenta. O problema é que, na maioria das vezes, a hipertensão não causa nenhum sintoma. Não dá dor, não dá tontura, não dá sinal. Ela simplesmente avança, em silêncio.
É por isso que medir a pressão com regularidade é tão importante. E medir da forma certa. Não adianta confiar só naquele “senti que estava alta”. Também não vale se basear em uma medida isolada feita às pressas. A recomendação é que a medição seja feita com o corpo em repouso, sentado, com o braço na altura do coração, sem ter fumado, tomado café ou feito exercício nos minutos anteriores.
Hoje, os aparelhos eletrônicos validados para uso domiciliar são uma excelente ferramenta para quem quer acompanhar a pressão em casa com segurança. Aliás, em muitos casos, a medição feita fora do consultório é até mais confiável, já que evita o fenômeno conhecido como “hipertensão do jaleco branco”, quando a pressão sobe só pela ansiedade de estar no ambiente médico.
A boa notícia é que, na maioria dos casos, dá para controlar a hipertensão com mudanças simples no dia a dia. Reduzir o consumo de sal é uma das primeiras atitudes recomendadas — o ideal é consumir menos de seis gramas por dia, o equivalente a pouco menos que uma colher de chá. Incluir mais frutas, verduras, legumes, leguminosas e alimentos naturais na dieta também ajuda muito, assim como evitar o excesso de bebidas alcoólicas, abandonar o cigarro, praticar atividade física regularmente e manter o peso dentro de uma faixa saudável.
Para algumas pessoas, só essas mudanças já são suficientes. Para outras, será necessário incluir medicamentos — e, nesse ponto, é importante saber que existem vários tipos disponíveis, com boa eficácia e baixa taxa de efeitos colaterais. O tratamento é individualizado: o que funciona bem para uma pessoa pode não funcionar para outra. Por isso, o acompanhamento médico é fundamental.
Ainda assim, muitos pacientes seguem com a pressão alta mesmo em tratamento. Parte disso se explica pela chamada “inércia terapêutica” — quando o profissional hesita em ajustar a medicação — e pela baixa adesão dos próprios pacientes, que às vezes deixam de tomar os remédios ou esquecem o retorno.
Outro problema é o espaçamento entre as consultas. O ideal seria reavaliar mensalmente quem ainda está com a pressão descontrolada, mas, na prática, isso costuma demorar mais. Resultado: o tempo passa e o risco aumenta.
Cuidar da pressão é cuidar da vida. E isso começa com atitudes pequenas, mas constantes. Medir a pressão com regularidade, prestar atenção nos hábitos, seguir as orientações médicas e não cair na armadilha do “eu não sinto nada”. Porque sentir, a gente pode até não sentir. Mas o corpo sente. E, mais cedo ou mais tarde, responde.
Você sabe mesmo o que está te pressionando? Talvez já esteja na hora de descobrir — e agir.
Marcelo Luiz Martins
Médico Cardiologista, RQE no 864