
Vivemos tempos silenciosos. Não pela ausência de som, mas pela ausência de afeto real. As relações humanas foram substituídas por mensagens automáticas, emojis repetitivos e respostas programadas. Curiosamente, muitas pessoas têm encontrado nas inteligências artificiais aquilo que há muito falta nas relações do dia a dia: escuta, constância e acolhimento.
Com a popularização de assistentes virtuais e IAs empáticas, surgem situações que exigem reflexão jurídica. Pessoas estão criando vínculos emocionais com programas que simulam presença, carinho e atenção. Para o cérebro humano, a resposta emocional diante de uma interação artificial pode ser tão intensa quanto aquela gerada por um relacionamento humano. E quando esse afeto é explorado comercialmente, o Direito precisa se posicionar.
Muitas dessas ferramentas operam num modelo “freemium”: o uso básico é gratuito, mas experiências mais afetuosas e personalizadas são vendidas em planos pagos. Isso configura uma relação de consumo, e como tal, está sujeita à proteção do Código de Defesa do Consumidor.
A vulnerabilidade emocional do usuário, muitas vezes solitário ou fragilizado, pode ser explorada de forma abusiva. O CDC reconhece a hipervulnerabilidade do consumidor e impõe limites à exploração econômica de quem não está em condição plena de discernimento ou resistência. Uma IA que simula afeto para induzir à compra de recursos emocionais pode ultrapassar esse limite.
Além disso, muitas dessas IAs coletam, processam e armazenam dados sensíveis: padrões de linguagem emocional, reações, preferências afetivas, histórico de conversas íntimas. Esses dados estão protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Se utilizados sem consentimento claro ou para finalidades escusas, há violação direta à privacidade e à autodeterminação informativa.
É nesse contexto que emerge a importância do Neurodireito, uma área que cruza Direito e Neurociência para compreender como decisões humanas são moldadas por fatores cerebrais, emocionais e inconscientes. Se o cérebro reconhece a IA como uma fonte legítima de afeto, o vínculo estabelecido, ainda que com um sistema, precisa ser levado a sério do ponto de vista jurídico.
O Direito sempre protegeu a honra, o patrimônio e a imagem. Mas talvez agora precise proteger também a mente humana, especialmente diante de tecnologias que sabem explorar nossas emoções melhor do que muitos seres humanos.
Não se trata de frear a inovação. Trata-se de garantir que ela respeite limites éticos e legais. Porque talvez, num futuro cada vez mais presente, o cliente que venha a bater à porta de um advogado não chore por um ex., mas por um robô que saiu do ar.
Edinardo Pinheiro Martins
Advogado
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