16 de setembro de 2025

R$ 2,6 milhões em emendas Pix para reescrever o passado: qual o roteiro por trás dessa história?

Sociólogo
Publicado em 27/06/2025 07:00

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Emendas Pix (Foto: g1)

Você já se perguntou quem está escrevendo o roteiro da realidade? A recente decisão de deputados federais do PL (Carla Zambelli, Bia Kicis, Alexandre Ramgem e Marcos Pollon) de canalizarem R$ 2,6 milhões em emendas Pix para a produção de uma série documental sobre “heróis nacionais” talvez pareça, à primeira vista, apenas mais um gesto de valorização da cultura — um daqueles projetos que tentam contar a história de um Brasil que poucos conhecem. Mas olhe de novo!

Não se trata apenas de cultura, mas de memória. Não é simplesmente um filme: é uma tentativa de controle simbólico, cuidadosamente disfarçada de patriotismo. Não se trata apenas de informar, mas de formar mentalidades – de ensinar a pensar do “jeito certo”. Aquele jeito que convém a quem busca o poder máximo no futuro próximo.

Maquiavel já avisava, com sua frieza de estrategista, que a aparência importa mais do que os fatos. E é por isso que tantos se esforçam para montar bons cenários, mesmo quando os bastidores estão ruindo. Os fatos não emocionam, não engajam, não viralizam. Já uma história bem contada, editada com cuidado, pode converter a dúvida em crença e a crítica em fé.

É nesse ponto que entra a encenação do poder, conceito central de Georges Balandier. Para ele, governar é, em parte, representar. E, como em toda peça, é preciso palco, figurino, enredo e aplausos. O uso de recursos públicos para financiar documentários revisionistas confirma que o poder não só governa – ele encena, performa e seduz.

O problema não está só no conteúdo, mas no método: emendas Pix, sem transparência, sem debate público, transferidas a uma associação sem histórico audiovisual, com sede em coworking e sem portfólio. Trata-se de um roteiro muito mais planejado do que parece. Afinal, como melhor vender um projeto político do que reescrevendo o passado que o justifica?

O título do projeto audiovisual fala em “Filhos do Brasil que não se rendem”. Mas a pergunta que talvez devêssemos fazer é outra: a quem, afinal, estamos rendendo nossa memória? Caso a política seja mesmo uma cena, como ensinou Balandier, então esse filme não é apenas uma produção cultural. Ele é um ato estratégico. Não para lembrar o que foi, mas para instalar uma versão oficial do que convém que tenha sido. E, assim, manipular o que virá.

Desconfiemos de quem fala em “valorizar a história”, mas fogem e/ou encobrem descaradamente, em cadeia nacional, seus golpes. Afinal, o que alguns chamam de “glória” não passa de reboco sobre a ruína – monumentos erguidos sobre fissuras, como quem decora abismos para que ninguém os enxergue, muito menos questione.

[1] Para melhor compreender o texto atual, recomendo a leitura do anterior. O texto anterior é intitulado da seguinte maneira: “Você realmente controla o que pensa? Uma leitura sociológica de ‘Rede de Ódio’ e o poder invisível da manipulação digital”.

Robert Bandeira – Doutor em Sociologia


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