
Ele fala como se fosse o povo. Anda como se representasse o povo. Brada como se fosse seu eco. Mas não é. Sua voz é rouca de multidão, mas suas intenções são silenciosas, calculadas e privatizadas. O espetáculo da “salvação” encena, nos bastidores, uma velha peça onde a plateia acredita estar vendo democracia, mas assiste, sem perceber, à consagração do nome sobre a norma.
Não é acaso. Nossa história é marcada por instituições permeáveis ao personalismo, do Império à República. Figuras que diziam “nós” para dizer “eu”, que usavam a pátria para proteger heranças, o povo para alimentar os seus. Hoje, o roteiro se repete com “novos” atores. Não apenas fardas ou anéis de bacharel, mas carisma digital, autoimagem messiânica, sobrenomes como escudos. Fala-se em nação, mas age-se como clã. Em liberdade, mas busca-se blindagem. Em soberania, mas negocia-se com potências estrangeiras — não pelo coletivo, mas por um projeto familiar.
Como lembrava Wanderley Guilherme dos Santos, o risco está na confusão entre representação e encarnação. Quando o governante não media, mas se diz “o próprio povo”. Não é estilo, é lógica de poder. Instituições esvaziadas, programas trocados por impulsos, debates por mandamentos. O que vemos hoje é seu ápice. Um nome que não aceita derrotas. Uma família acima da lei. Um projeto de lealdades e revanches, não de um futuro próspero para a nação. A política vira sobrevivência — mesmo que custe sanções ao país e um pseudo-exílio às custas do dinheiro público.
Há saída? Wanderley apontaria que sim. Não em novos messias, mas em instituições fortes. Instituições fortes não significam apenas tribunais ou parlamentos. Significam também partidos, imprensa livre, sindicatos, conselhos e movimentos — estruturas que impedem que um nome fale por todos. Se o personalismo prospera na fragilidade, a resposta está em exigir mais mediações entre sociedade e Estado. Esse drama, o Brasil já conhece. A plateia, cansada, vai. Resta saber se o roteiro mudará.
Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva
Doutor em Sociologia
Envie sua sugestão de pauta para nosso WhatsApp e entre no nosso Canal.
Confira as últimas notícias: clique aqui!