6 de outubro de 2025

173 anos de Teresina: notas para um debate sobre a memória de suas ruas e praças

Historiador
Publicado em 16/08/2025 07:00

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Teresina-PI, 1957 (Foto Acervo do IBGE)

No dia 16 de agosto de 1852, o Presidente da Província do Piauí, José Antonio Saraiva, dirigiu um ofício aos demais mandatários do Império comunicando a transferência da capital provincial para a nova cidade de Teresina, uma lisonja à então Imperatriz Teresa Cristina. Muita tinta já foi gasta para explicar as razões que levaram Saraiva a desenvolver este ousado projeto, não pretendo revolver este assunto. Neste breve texto, acompanho o leitor em um passeio pelas primeiras ruas e praças da capital piauiense e levanto algumas reflexões sobre a nomenclatura destes logradouros.

De acordo com a arquiteta Ângela Napoleão Braz, o Plano Saraiva denota um cuidadoso planejamento, na medida em que “as necessidades funcionais da cidade eram compatíveis com a extensão territorial da nova capital; haja vista que os quarteirões desenhados são suficientes para abrigar edifícios públicos, os habitantes da antiga Vila do Poti e a presumida população a ser transferida de Oeiras”. As primeiras vias públicas da nova cidade nasceram neste tabuleiro de xadrez, traçado pelo Mestre João Isidoro França e pelo próprio Saraiva.

O historiador Monsenhor Chaves foi provavelmente o primeiro autor piauiense a escrever sobre as ruas de Teresina. Em texto publicado na época do centenário da capital, em 1952, o pesquisador campomaiorense discorreu sobre a mudança na nomenclatura das ruas e logradouros da cidade fundada por Saraiva. Impossível não se encantar com as denominações das primeiras vias da cidade: Rua Bela, Rua da Estrela, Rua das Flores, Rua da Glória, Rua do Amparo, Rua Grande, Rua da Palmeirinha, Rua Bacuri, Rua da Graça, Rua dos Negros, Rua do Pequizeiro, Rua Boa Vista, Rua do Barrocão, Rua do Fio, Rua São José, Rua São Joaquim, Rua São Pedro, Rua Santo Antonio, dentre outras.

Nomear nunca é um ato inocente. De acordo com o antropólogo Danilo César Souza Pinto, nomes de lugares podem ser referências espaciais precisas (e com certeza o são), todavia, “também são mecanismos de criação do passado, de um passado oficial, de uma construção histórica, de exaltação da memória de heróis, visto que são dados por lei e algumas vezes suscitam disputas”. Neste sentido, a mudança do nome de ruas e praças de uma cidade traz consigo a intenção de perpetuar uma certa memória coletiva, lastreada em heróis e acontecimentos vinculados aos grupos que detém o poder em determinado tempo histórico.

De acordo com Monsenhor Chaves, a Guerra do Paraguai (1864-1870) determinou as primeiras modificações no nome das ruas de Teresina. Em  28 de novembro de 1865, a Câmara Municipal da cidade dispôs que a Rua Bacuri passava a chamar-se “da Imperatriz”; São Joaquim, “Imperador”; Trindade, “Riachuelo”; e a da Graça, “Barroso”; já a Praça do Comércio, localizada nos fundos da Igreja Matriz, foi rebatizada como “Uruguaiana”. Em 29 de abril de 1870, outra sessão da Câmara modificou o nome da Praça da Santa Casa para “Praça Conde D’Eu” (atualmente Praça João Gayoso ou Praça do Verdão) e da Praça dos Educandos para “Praça Aquidabã” (atual Praça Pedro II). Embora não seja citada pelo Monsenhor, a renomeação da Rua do Pequizeiro como “Rua Paissandu” provavelmente também ocorreu neste período. Ao escolher nomes ligados à Guerra do Paraguai para rebatizar as ruas da capital, a elite teresinense pretendia fortalecer a construção de uma memória coletiva informada pelo ideal de grandeza imperial, projeto materializado em heróis como o Almirante Barroso e eventos como a Batalha naval do Riachuelo.

Esta lógica também orientou a renomeação das ruas da capital piauiense e de várias outras cidades brasileiras durante os primeiros anos do regime republicano. Para os artífices da República, tratava-se de reescrever a história, por isso sua preocupação em construir novos símbolos e heróis para substituir aqueles da monarquia. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Largo do Paço Imperial passou a chamar-se “Praça 15 de Novembro”. Já a Praça da Aclamação, onde Dom Pedro I foi aclamado Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil, foi renomeada como “Praça da República”.

Em Teresina não foi diferente. Monsenhor Chaves relatou que durante uma reunião do Conselho Municipal, ocorrida no dia 4 de janeiro de 1890, Macário Lima propôs a seguinte resolução que foi aprovada: a Rua do Imperador passaria a chamar-se “Marechal Deodoro”, o militar que proclamou a República e foi seu primeiro presidente (atualmente Rua Firmino Pires); a Rua da Imperatriz foi renomeada como “Quintino Bocaiúva”, um dos principais articuladores civis do golpe republicano; Flores virou “Campos Sales”, histórica liderança do republicanismo paulista; Boa Vista foi convertida em “Rui Barbosa”, o “Águia de Haia” da diplomacia republicana; e Campinas passou a chamar-se “Benjamin Constant”, militar conhecido como “Patrono da República”. Eram todos heróis do novo panteão republicano que tinha Tiradentes como sua principal figura. Aliás, o nome do inconfidente mineiro também batizou uma rua de Teresina, a antiga Rua da Chapada.

A resolução de Macário Lima ainda modificou o nome da Praça Conde D’Eu para “Praça 15 de Novembro”. Em 30 de maio de 1890, o Conselho Municipal aprovou nova proposição para alterar os nomes de outras ruas e praças da capital, desta vez apresentada por Coelho Resende, que no futuro também iria virar nome de rua. A “Praça da Constituição” (que homenageava a Constituição Imperial de 1825) passou a chamar-se “Praça Marechal Deodoro” (mais conhecida como Praça da Bandeira). No aniversário de três anos da Proclamação da República, o referido conselho determinou que o Largo do Quartel de Linha passava a chamar-se “Praça Floriano Peixoto”, o “Marechal de Ferro” que governou o país após a renúncia de Deodoro.

Nos anos seguintes, ocorreram novas alterações na nomenclatura das ruas de Teresina, desta vez em homenagem a personalidades da política piauiense, notadamente do período republicano. A Rua do Amparo passou a chamar-se “Areolino de Abreu”; a da Glória, “Lisandro Nogueira”; a da Palmeirinha, “Clodoaldo Freitas”; a Grande, “Álvaro Mendes”; a Bela, “Senador Teodoro Pacheco”; a São José, “Félix Pacheco”; a do Fio, “Coelho Rodrigues”; Santa Luzia, “David Caldas”; e a da Estrela, “Desembargador Freitas”. Curiosamente, a Rua São Pedro foi a única que manteve o nome original até nossos dias.

A despeito das mudanças na designação dos logradouros da capital, Monsenhor Chaves salientou a persistência com que os teresinenses conservaram alguns nomes tradicionais de ruas antigas. Na época do centenário da cidade, ainda era comum ouvir teresinenses falando em Rua Bela, Rua Grande, Rua da Estrela e Barrocão. Em 2015, o geógrafo piauiense Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro publicou sua autobiografia com o título de “Rua da Glória”, o antigo nome da via onde nasceu (1927) e viveu até os dezoito anos.

A nomenclatura das ruas e praças de Teresina remete a construção de uma memória vinculada a certa elite econômica, política e intelectual do Estado: homens, brancos, com elevado patrimônio e que ocuparam postos de comando político-administrativo.

Por outro lado, algumas memórias foram apagadas da história de Teresina. É o caso dos batuques, sambas e folgaças praticadas por escravizados e libertos ao som estridente de seus tambores na Rua dos Negros (como era mais conhecida a Rua Augusta), situada bem na subida que dava acesso ao Campo de Santana (atual Praça João Luíz Ferreira). Posteriormente, esta rua teve seu nome modificado para “Eliseu Martins”, político piauiense que foi Senador da República entre 1890 e 1894. A referência à população negra que restou nos logradouros de Teresina foi a Rua 13 de Maio (antiga São Bento), nome que remete à abolição da escravidão no Brasil, enfatizando, todavia, uma perspectiva que emoldura a memória da Princesa Isabel como a “redentora dos escravos” em detrimento da resistência negra no país.

Em que medida os nomes das ruas de Teresina expressam a diversidade (étnica, religiosa, cultural, sexual e de gênero), da população que construiu e ainda constrói a capital piauiense? Eis uma questão que deveria nortear as discussões na sociedade e no legislativo municipal, sobretudo, nestes tempos em que memórias outrora silenciadas emergem com força no debate público.

Ramsés Pinheiro – Historiador

Confira a galeria de fotos de Teresina:

REFERÊNCIAS

CHAVES, Monsenhor. Obras Completas. Teresina: Fundação Monsenhor Chaves,1998.

PINTO, Danilo César Souza. Etnografia de Espaços Estatais: Os Nomes das Ruas da Cidade de São Paulo. Ponto Urbe – Revista do núcleo de antropologia urbana da USP, 2015, p. 15-16. Disponível em: http://journals.openedition.org/pontourbe/2702. Acesso em 5 ago. 2025.

SILVA, Ângela Napoleão Braz. Planejamento e Fundação da primeira cidade no Brasil Império. In: Cadernos PROAQ 18. UFRJ, 2012.

SILVA, Mairton Celestino daBatuque na rua dos negros: escravidão e polícia na cidade de Teresina, século XIX. Teresina: EDUFPI, 2014.


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