20 de agosto de 2025

Colírios para ‘vista cansada’: avanço promissor, mas com riscos que você precisa conhecer

Vítor Cortizo

Oftalmologista
Publicado há 2 dias

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Uso de colírio (Foto: Freepik)

Depois dos 40 anos, quase todo mundo começa a esticar o braço para ler o cardápio ou aumentar a letra do celular. É a presbiopia, ou “vista cansada”, um fenômeno natural do envelhecimento dos olhos. Nos últimos anos, novas opções chegaram ao mercado prometendo aliviar esse incômodo sem depender dos óculos de leitura: os colírios mióticos para presbiopia.

Entre eles estão a pilocarpina 1,25% (Vuity) e, mais recentemente aprovada nos EUA, a aceclidina 1,44% (VIZZ). Mas será que eles são seguros?

Como eles funcionam

Esses colírios contraem a pupila, criando um efeito chamado pinhole, semelhante a fechar o diafragma de uma câmera fotográfica. Com isso, aumenta-se a profundidade de foco e a visão de perto melhora, sem alterar o grau dos óculos.

A aceclidina age de forma mais seletiva na pupila, estimulando pouco o músculo ciliar (que faz o foco de perto), enquanto a pilocarpina é menos seletiva e atua tanto na pupila quanto no músculo ciliar.

O que mostram os estudos

Nos ensaios clínicos do VIZZ (CLARITY-1 e CLARITY-2, FDA), cerca de 65 a 71% dos usuários conseguiram ler três linhas a mais na tabela de visão de perto três horas após a aplicação, sem piorar a visão de longe. O efeito começava em torno de 30 minutos e podia durar até 10 horas.

Na pilocarpina (GEMINI-1, JAMA Ophthalmology), a melhora de três linhas foi observada em aproximadamente 30% dos usuários, também sem perda significativa da visão de longe, com início de ação por volta de 15 minutos e duração média de 6 a 8 horas.

Quantas pessoas participaram das pesquisas:

• O menor estudo entre os principais contou com 232 participantes (CLARITY-2, aceclidina).
• O maior contou com 323 participantes (GEMINI-1, pilocarpina).
• Em média, os estudos pivotais tiveram cerca de 270 a 300 pessoas cada.

Isso é suficiente para avaliar eficácia imediata, mas não para detectar eventos raros.

Limitação importante: tempo de acompanhamento

Nos estudos científicos mais rigorosos publicados:

• Pilocarpina (Vuity): acompanhamento máximo de 30 dias.
• Aceclidina (VIZZ): acompanhamento de 6 semanas nos estudos CLARITY-1 e CLARITY-2 e 6 meses no estudo CLARITY-3 (amostra menor, voltado para segurança).

📌 Isso significa que nenhum dos colírios foi estudado por mais de 6 meses em ensaios clínicos controlados (que possuem maior rigor).

Quando falamos de efeitos colaterais raros, seria necessário acompanhar milhares de pacientes por vários anos para estimar com segurança esse risco.

Efeitos colaterais mais comuns

Ambos podem causar:
• Sensação de ambiente menos iluminado ou com menor brilho, principalmente à noite. Exige mais cuidado ao dirigir a noite.
• Irritação ocular ou ardor ao pingar.
• Cefaleia (dor de cabeça).

No VIZZ, esses efeitos apareceram em cerca de 20%, 16% e 13% dos usuários, respectivamente (dados FDA).

O risco raro, mas importante: descolamento de retina

Um estudo americano em base de dados (American Journal of Ophthalmology, 2025) observou que, em usuários de pilocarpina para presbiopia, o risco acumulado de descolamento regmatogênico de retina foi de:

• 0,53% em 3 meses vs 0,25% nos controles
• 0,78% em 12 meses vs 0,33% nos controles

Embora o número absoluto seja pequeno, o risco quase dobrou.

Para aceclidina, não existem dados populacionais de longo prazo, mas a bula traz o mesmo alerta, já que todos os mióticos compartilham, em teoria, esse potencial.

Impacto populacional: mais uso, mais casos

A presbiopia é extremamente comum. Estima-se que mais de 1 bilhão de pessoas no mundo sejam présbitas, incluindo milhões só no Brasil.

Se mesmo um risco pequeno se aplicar a um público muito grande, o número absoluto de complicações pode crescer bastante.

E como o tratamento não tem prazo para acabar — afinal, a presbiopia é progressiva e permanente —, o risco de complicações pode ser cumulativo ao longo dos anos.

Como reduzir os riscos:

• Exame completo da retina antes de iniciar — especialmente se houver miopia alta, histórico familiar de descolamento ou degenerações conhecidas.
• Atenção aos sinais de alerta: flashes de luz, aumento súbito de “moscas volantes” (pontinhos pretos), ou sombra no campo de visão.
• Suspender e procurar atendimento imediato se algum desses sintomas ocorrer.
• Evitar dirigir à noite logo após pingar, caso perceba a visão mais escura.
• Converse com seu oftalmologista sobre a possibilidade de uso eventual, e não diário, como forma de reduzir o risco cumulativo — especialmente se você não tiver outros fatores de risco adicionais para doenças da retina.

Vale a pena?

Esses colírios representam um avanço e podem oferecer liberdade temporária dos óculos de leitura. Porém, não corrigem a causa da presbiopia e exigem cuidado na prescrição.

A decisão deve ser tomada junto com o oftalmologista, considerando não só o desejo de enxergar melhor de perto, mas também a saúde da retina e os possíveis efeitos colaterais.

É fundamental lembrar que os estudos cientificamente mais rigorosos acompanharam os pacientes por, no máximo, 6 meses, o que não é suficiente para medir com precisão riscos raros e cumulativos. Com o uso prolongado, especialmente em milhões de pessoas, mesmo eventos pouco frequentes podem se tornar relevantes em números absolutos. Por isso, o acompanhamento contínuo e criterioso é essencial.


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