25 de setembro de 2025

Festas milionárias: sem água nas torneiras, cidades do Piauí gastam milhões em shows

Apuração da TV Clube apontou que alguns contratos totalizam mais de R$ 500 mil.
Repórter
Publicado há 7 horas

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Municípios do Piauí têm destinado milhões de reais para a realização de festas enquanto problemas básicos permanecem sem solução, como a falta de água nas torneiras da população. Um levantamento da TV Clube revelou que, em alguns casos, a contratação de uma única banda ultrapassa R$ 500 mil.

A situação tem gerado revolta entre moradores, que enviaram vídeos à emissora denunciando o descaso em comunidades da zona rural. Em Esperantina, na localidade Pedrinhas, por exemplo, o poço destinado a abastecer a comunidade nunca chegou a ser concluído.

“Já tem mais de cinco anos e eles só fazem prometer que vão vir, vêm, olham, aí passam meses depois, vêm de novo, com a mesma promessa de sempre”, relatou uma moradora.

Enquanto isso, a Prefeitura se prepara para realizar um dos maiores eventos do estado: a Micarina de Esperantina. Com atrações nacionais de renome, a festividade começa na sexta-feira (26) e segue até sábado (27). O evento conta com o apoio do Governo do Estado.

Denúncias de moradores em Esperantina (Foto: Colagem / Portal ClubeNews)

O repasse do Executivo chega à faixa de R$ 1,7 milhão para a empresa organizadora. O cantor Xandy, da banda Harmonia do Samba, por exemplo, se apresentará na cidade por R$ 350 mil.

São Pedro do Piauí

Já em São Pedro do Piauí, os festejos em homenagem ao padroeiro do município acontecem neste mês de setembro, com shows programados de quinta-feira (25) a sábado (27).

Na programação, o cantor Dilsinho e a artista Marília Tavares receberão R$ 250 mil cada. Júnior Viana foi contratado por R$ 200 mil, enquanto Pablo do Arrocha terá o maior cachê: R$ 550 mil.

A indignação da população vai além dos valores pagos aos artistas. Comerciantes também denunciaram a cobrança de taxas pela Prefeitura para que possam trabalhar na praça durante as comemorações.

“Aqui, em São Pedro do Piauí, a praça de eventos deveria ser um espaço público e aberto a todos, mas para os camelôs e feirantes nessa cidade, ela tem um preço de R$ 1.200. Essa taxa é exigida pela Prefeitura e virou um cofre de arrecadação abusiva que dificulta para quem precisa realizar o trabalho”, criticou o homem, que não quis se identificar.

Avelino Lopes

Um caso que chamou atenção aconteceu em Avelino Lopes, no extremo Sul do Piauí. Mesmo após o prefeito decretar situação de emergência devido à seca, a gestão planejava gastar mais de R$ 230 mil em shows musicais. O Ministério Público do Piauí (MP-PI) interveio e recomendou a suspensão da festa.

A Prefeitura acatou a orientação e cancelou o evento, sem que fosse necessário acionar a Justiça. O promotor Rafael Maia Nogueira, coordenador do Centro de Combate à Corrupção e Defesa do Patrimônio Público, destacou que a atuação do MP-PI tem justamente a função de garantir que as prioridades da população sejam respeitadas.

“A festa é bacana, mas não é bacana, por exemplo, uma festa pública à revelia de gastos da educação, quando o Município não está cumprindo o seu papel constitucional de gastar aquele mínimo que foi estabelecido pela Constituição, de 25%. Também não é legal uma festa quando os hospitais não têm remédios, não têm profissionais da saúde, nem médicos, esgotos a céu aberto, atrasos nos salários”, pontuou.

Prefeituras podem ser punidas

De acordo com o Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE-PI), gastos excessivos com festas em detrimento de serviços essenciais podem configurar improbidade administrativa.

O presidente da corte, Kennedy Barros, afirmou à TV Clube que é necessário equilíbrio por parte das prefeituras para não comprometer a correta aplicação dos recursos públicos. Ele ressaltou ainda que o uso indevido do dinheiro poderá resultar em punições às gestões municipais.

O presidente do TCE-PI, Kennedy Barros (Foto: TV Clube)

“O tribunal tem alertado que gastos feitos de forma equivocada são, sim, motivos para levar à reprovação de contas. O tribunal não quer interferir na gestão. O tribunal quer dizer que ela tem que ter responsabilidade fiscal”, destacou.

Shows suspensos em Cocal-PI

Em agosto deste ano, a Justiça do Piauí suspendeu os shows de Alok, Natanzinho Lima, Hungria Hip Hop e Anjos de Resgate na cidade de Cocal (PI). As apresentações aconteceriam durante o Festejo do Povo, previsto para acontecer na próxima semana no município, de 11 a 14 do mesmo mês.

Segundo a decisão, somando todos os contratos, o município de Cocal iria desembolsar R$ 1.840.000 dos cofres públicos com as apresentações.

Alok (Foto: reprodução)

O Ministério Público do Piauí (MP-PI) argumentou que o município não tem capacidade social e econômica para arcar com o custo. Um relatório da Secretaria de Finanças de Cocal constatou, em março deste ano, que 85,66% da Receita Corrente Líquida Mensal do cofre municipal estava comprometida, decretando estado de calamidade financeira e mesmo assim iria gastar uma fortuna em shows.

O DJ Alok chegou a se pronunciar nas redes sociais alegando que não sabia da situação da cidade e que concordava com o cancelamento do show.

Publicação do DJ Alok no X (Foto: reprodução / X)

O outro lado

A TV Clube entrou em contato com todas as prefeituras citadas na reportagem, bem como com as promotorias de Justiça desses locais.

Em Esperantina-PI, a Prefeitura não apresentou posicionamento até a publicação da matéria. A promotoria do município emitiu uma recomendação, mas apenas solicitando ajuste no palco do evento pela proximidade com o hospital da cidade.

Em nota, a Assessoria de Imprensa de São Pedro do Piauí afirmou que o evento tem grande valor cultural para o município e movimenta a economia local. Além disso, o órgão argumentou que o valor gasto tem origem também em emendas parlamentares e apoios, sem citar de onde são oriundos.

A promotoria de São Pedro Piauí respondeu que está analisando a conveniência e a oportunidade de uma medida judicial ou extrajudicial, uma eventual medida em relação aos gastos do Município. A ação poderá ser realizada, inclusive, após a realização das festas para ressarcimento das despesas aos cofres públicos.

Já as prefeituras de Cocal de Telha e Avelino Lopes não emitiram um parecer até a veiculação da reportagem.


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