17 de outubro de 2025

O governo Chagas Rodrigues: nacional-reformismo e lutas sociais no Piauí (1959-1962)

Historiador
Publicado em 08/10/2025 06:00

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Um governo nos trilhos do desenvolvimento

Em 5 de agosto de 1959, ocorreu em Teresina a primeira reunião do Conselho de Desenvolvimento do Nordeste (CODENO) fora de Recife-PE, onde ficava sua sede. No encontro, promovido por este órgão que antecedeu a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), estiveram presentes governadores de cinco Estados nordestinos, além de diversas autoridades federais, como o economista Celso Furtado, representante do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. O anfitrião da reunião foi o Governador do Piauí, Chagas Rodrigues, o que evidencia seu protagonismo na política regional e seu alinhamento ao projeto nacional-desenvolvimentista levado a cabo naquele momento pelo Presidente Juscelino Kubitscheck.

Natural de Parnaíba, onde nasceu em 8 de novembro de 1922, Francisco das Chagas Caldas Rodrigues foi um meteoro na política piauiense. Deputado Federal por dois mandatos consecutivos (1951-1955, pela UDN; 1955-1959, pelo PTB), Chagas Rodrigues caminhava para uma nova eleição para a Câmara Federal, quando o trágico acidente da “Cruz do Cassaco”, ocorrido em 4 de setembro de 1958, vitimou o candidato a governador Demerval Lobão e o candidato a Senador Marcos Parente, ambos das “Oposições Coligadas” (PTB-UDN). Assumindo a candidatura ao governo estadual faltando menos de um mês para o pleito, o político parnaibano fez uma campanha fulminante, sagrando-se vitorioso na disputa contra o candidato da situação, José Gayoso Freitas (PSD).

Empossado em janeiro de 1959, Chagas Rodrigues tratou de reestruturar a Comissão de Desenvolvimento do Estado (CODESE) e criou a Assessoria Econômica do gabinete civil do Governador, órgão que contou com a participação de jovens economistas como Raimundo Nonato Monteiro de Santana e Manoel Emilio Burlamaqui. O objetivo da equipe econômica do governador era integrar o Piauí na política desenvolvimentista promovida por JK, atraindo investimentos e obras estruturantes para o Estado através de órgãos federais como a Sudene. Visando dinamizar a economia local, o Governador também criou empresas que marcariam a história piauiense como a Cepisa, a Telepisa e a Agrinpisa.

Como sobejamente demonstrado por Reginaldo Santos Furtado, em seu livro “Chagas Rodrigues e a Hidrelétrica da Boa Esperança”, um dos legados mais importantes do Governador Piauiense foi viabilizar os primeiros esforços para a construção desta que é uma das principais obras de infraestrutura do Estado. Desde as emendas orçamentárias, propostas quando ainda era Deputado Federal, em 1956 e 1957; passando pela inclusão da Barragem de Boa Esperança no Plano Parcial de Eletrificação do Estado, em 1960, quando já era governador; até a conquista da dotação de oitocentos milhões de cruzeiros para a referida obra, junto ao Presidente Jânio Quadros, em julho de 1961, Chagas Rodrigues não poupou esforços para a concretização da hidrelétrica que, em suas palavras, iria redimir o Piauí. Após anos de construção, a Hidrelétrica de Boa Esperança foi oficialmente inaugurada pelo ditador Garrastazu Médici, em 7 de abril de 1970. Na ocasião, não se fez nenhuma menção à Chagas Rodrigues.

Chagas Rodrigues e o nacional-reformismo

Para além do caráter modernizando que atravessou sua administração, outro aspecto que balizou o governo de Chagar Rodrigues foi sua atuação no campo social. Criado em 1959, e oficializado no ano seguinte, o Serviço Social do Estado (SERSE) desempenhou uma atividade pioneira de assistência social no Piauí. Entre as realizações do órgão, dirigido pele Primeira-dama Maria do Carmo Correia de Caldas Rodrigues, destacou-se a criação da “Sopa do Pobre”; a fundação de inúmeros abrigos no Estado e a organização dos chamados “Comandos Rurais”, que prestavam serviços sociais, técnicos, médicos e odontológicos à população rural, que também recebia ferramentas, medicamentos, materiais escolares e produtos de alimentação infantil.

Também é possível identificar no governo de Chagas Rodrigues um novo tratamento em relação aos trabalhadores. Durante sua gestão, o Govenador doou um imóvel situado na Rua Desembargador Freitas para o estabelecimento de vários sindicatos da capital, espaço que ficou conhecido como “Casa dos Sindicatos”. Chagas Rodrigues também apoiou o 1º Congresso Piauiense de Operários e Camponeses, ocorrido entre 28 de abril e 1º de maio de 1961, prestando auxílio financeiro e cedendo as instalações do Colégio Estadual (Liceu Piauiense) para a realização do encontro. Esta aproximação com os trabalhadores também é visível através do programa de rádio “Falando com o povo”, no qual o Governador dialogava com a população sobre seus problemas mais candentes. O referido programa foi transmitido pela Rádio Clube de Teresina, emissora inaugurada em 31 de janeiro de 1960 sob os auspícios do Chefe do Executivo Estadual. Posteriormente, a Rádio Clube foi adquirida pelo empresário Valter Alencar, constituindo até os dias de hoje uma referência no que diz respeito à radiodifusão no Estado.

A postura de Chagar Rodrigues diante dos trabalhadores e dos problemas sociais não deixa de refletir um certo modo de governar que ganhou impulso na Era Vargas e foi tornando-se a marca das administrações de JK, Jânio Quadros e João Goulart (Jango), o populismo. Todavia, é importante ressaltar que o apoio que o governador piauiense recebeu dos trabalhadores do Estado só pode ser compreendido na medida em que estes viram sua gestão como uma possiblidade real de mudança social. Um bom exemplo para ilustrar esta perspectiva, foi o aumento da alíquota do Imposto Territorial Rural promovida pelo Governador em junho de 1960. O ato atingia diretamente a grande propriedade, fonte tradicional de privilégios econômicos e sociais no Estado. A reação dos latifundiários foi imediata. Após um mês de campanha cerrada contra o aumento do imposto na imprensa local, o governo viu-se obrigado a suspender a referida medida.

Em um contexto em que a questão agrária havia adquirido uma repercussão nacional, Chagas Rodrigues não desistiria de modificar a estrutura fundiária do Estado. Quando a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Ligas Camponesas esteve em Teresina, em abril de 1962, o Governador do Estado declarou aos deputados federais que era favorável a uma “Reforma Agrária Radical” e que havia enviado à Assembleia Legislativa dois projetos de lei sobre o loteamento de terras do Estado, os quais relatou que nunca foram apreciados por aquela Casa. A propósito, quando as primeiras Ligas Camponesas surgiram no Piauí, no final de abril de 1961, receberam o imediato apoio de Chagas Rodrigues. Ao defenderem uma reforma agrária radical através da ampla mobilização do campesinato, as Ligas haviam se tornado um dos principais focos da luta social no Brasil do início dos anos 1960.

Transbordando os limites do Piauí, o Governador Chagas Rodrigues também se projetou neste período como uma figura de proa na política nacional. Em janeiro de 1962, o Governador Piauiense participou do comício de desagravo à UNE, cuja sede havia sido metralhada por terroristas do MAC. No comício, ocorrido na Cinelândia, no Rio de Janeiro, Chagas Rodrigues compartilhou o palanque com outras lideranças do campo nacionalista como Aldo Arantes, Presidente da UNE, e o Deputado Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas de Pernambuco. Poucos dias depois, em 14 de março de 1962, o Governador piauiense relatou ao jornal “Última Hora” que “O País reclama com urgência reformas de base, principalmente a eleitoral e a agrária. A primeira se impõe para que possam, de fato, ser eleitos para o Parlamento, homens de todas as classes e votem todos os brasileiros. Sem a reforma eleitoral poderemos ter a revolução política e sua perigosa transformação em revolução social. Sem a reforma agrária poderá surgir a qualquer momento, também, a revolução social”.

O alinhamento de Chagas Rodrigues com as Reformas de Base propostas pelo Presidente João Goulart, e apoiadas por figuras como o Governador gaúcho Leonel Brizola e o Deputado pernambucano Francisco Julião, conferiu ao Chefe do Executivo piauiense um lugar de destaque entre as lideranças do campo nacional-reformista que defendiam um Brasil com justiça social e soberania econômica. Talvez por isso, o Governador piauiense tenha sido alvo de uma persistente campanha depreciativa na imprensa local, que o taxava diariamente de comunista, qualificativo no mínimo inusitado para alguém proveniente de uma família de industriais do norte do Estado.

A luta sem trégua que o Governador Chagas Rodrigues travou por um Piauí justo, digno e desenvolvido também pode explicar por que sua administração estadual foi e continua a ser tão pouco lembrada por uma certa historiografia do Piauí republicano.  

Referências

FURTADO, Reginaldo Santos. Chagas Rodrigues e a Hidrelétrica da Boa Esperança. Teresina: Gráfica do Povo, 2022.

KRUEL, Kenard. Chagas Rodrigues: grandes vultos que honraram o Senado. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2018.

SOUSA, Ramsés Eduardo Pinheiro de Morais. Tempo de Esperança: camponeses e comunistas na constituição das Ligas Camponesas no Piauí entre as décadas de 1950 e 1960. 2015. 412 f. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Piauí – UFPI, Teresina, 2015.

Ramsés Pinheiro
Historiador


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