29 de outubro de 2025

Vale a pena fazer o Enem?

Sociólogo
Publicado há 3 horas

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Prova do Enem (Foto: g1)

Nos últimos tempos, criadores de conteúdo têm difundido a ideia de que a faculdade não compensa. A circulação desse argumento é apressada e carregada de interesses, mas a velocidade das redes não substitui a análise de padrões sociais. Em contextos desiguais, escolhas educacionais são apostas que reorganizam probabilidades ao longo do tempo. Para avaliar o Enem, nesse aspecto, é preciso observar como ele se articula com o acesso ao ensino superior e como esse acesso se relaciona com resultados no trabalho e na vida pública.

O primeiro elo dessa cadeia é institucional. O Enem estabelece um critério único de avaliação. Ao aplicar a mesma prova para milhões de estudantes, cria regras comuns e calendários públicos. Com isso, reduz a dependência de contatos pessoais e de informações restritas. O desempenho passa a ser comparável entre candidatos de origens diversas e o acesso se torna mais previsível. Essa padronização não elimina barreiras de origem social, raça, gênero e território, porém cria um piso de previsibilidade que importa para quem está fora dos círculos de privilégio. A partir daí a decisão de prestar a prova deixa de ser um salto no escuro e passa a ser uma estratégia de inserção mais transparente.

O segundo elo é empírico. As pesquisas domiciliares indicam uma associação persistente entre escolaridade e renda. A PNAD Contínua, do segundo trimestre de 2025, evidencia que o rendimento médio mensal real, de acordo com o nível de instrução, é maior para quem tem nível superior completo. Logo abaixo tem um gráfico que demonstra isso. O diferencial não é idêntico entre áreas de formação e regiões, mas permanece positivo na comparação entre grupos com e sem diploma. Em termos práticos, quem atravessa a porta do ensino superior desloca a distribuição de oportunidades a seu favor, mesmo em ciclos econômicos adversos.

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua trimestral (Fonte: IBGE)

O terceiro elo é formativo. A universidade amplia repertórios cognitivos e culturais, cria rotinas de leitura e escrita analíticas e oferece experiências de resolução de problemas. Estágios, projetos (de pesquisa e extensão), laboratórios, clínicas e empresas juniores ativam redes profissionais e fortalecem competências valorizadas em mercados complexos. Essas experiências não garantem ascensão instantânea, mas acumulam capitais que sustentam movimentos de mobilidade ao longo do ciclo de vida ocupacional. Em vez de prometer resultados imediatos, esse percurso reconfigura possibilidades futuras.

Para que essa cadeia produza efeitos, algumas condições precisam convergir. Custos de permanência continuam a pesar sobre estudantes de baixa renda e a heterogeneidade de qualidade entre instituições afeta a conversão do diploma em oportunidades. Decisões apressadas de curso aumentam risco de frustração. A resposta exige políticas de permanência consistentes e escolhas informadas por dados de evasão, empregabilidade e trajetória salarial por área e região. Quando informação qualificada e apoio material se combinam, o investimento educacional se torna menos vulnerável a acasos e interrupções.

Resta situar a polêmica difundida por influencers. Exemplos de sucesso fora da universidade existem e merecem reconhecimento. Contudo, decisões individuais não anulam regularidades observadas em populações inteiras. Nessa escala, o ensino superior segue associado a melhores rendas médias e a maior autonomia para decidir rumos de vida. Assim, prestar o Enem tende a ser vantajoso porque amplia portas de entrada, ordena expectativas e reduz a opacidade do acesso. Quando o processo é bem informado e sustentado por políticas de permanência, o exame democratiza trajetórias possíveis e desloca destinos prováveis em direção a oportunidades mais amplas.

Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva
Doutor em Sociologia


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