19 de julho de 2025

Nos tempos do Café Avenida: notas de uma Teresina de antigamente

Ramsés Pinheiro

Historiador
Publicado há 5 dias

Compartilhe:

Teresina na década de 1930 (Foto: Reprodução)

Na década de 1930, Teresina contava com doze praças, todavia, segundo o Diretor de Obras do Município, Luís Pires Chaves, apenas a metade havia passado por algum tipo de melhoramento. Entre estes logradouros, estava a Praça Rio Branco, outrora chamada de Praça do Comércio e Uruguayana. Na década de 1910, o lugar recebeu nova arborização, pavimentação, alguns bancos e um coreto. Além de ponto de encontro das famílias teresinenses, especialmente aos domingos, a referida praça também tornou-se um espaço propício para flertes e namoros entre os jovens. A instalação da iluminação elétrica na cidade, em 1914, contribuiu para que a Rio Branco fosse frequentada até as 22h, quando o apito da usina elétrica anunciava que todos deviam recolher-se às suas casas.

Por estar situada num ponto central de Teresina, no fundo da Igreja do Amparo, e próximo a outros pontos de aglomeração, a historiadora Nilsângela Cardoso Lima nos conta que a Praça Rio Branco “caracterizava-se como também como sala de espera de encontros previamente marcados, antes de dirigirem-se as pessoas aos referidos cinemas, teatros, cafés, bares e a outros locais de entretenimento da cidade”. Alguns destes espaços de sociabilidade localizados na referida praça apareceram na edição do Almanak Laemmert de 1938 que mencionou em suas páginas o restaurante José Ribeiro de Carvalho & Cia, Cinema Olympia, Bar Carvalho, Bar Rio Branco, Bar e Café Operário e o célebre Café Avenida.

Inaugurado em 1937, o Café Avenida estava localizado entre a Igreja do Amparo e o edifício do antigo Fórum de Teresina, espaço ocupado atualmente pelo estacionamento de um hotel da capital. Em depoimento concedido ao jornalista Kenard Kruel, Maria Genofeva de Aguiar Moraes Correia, mais conhecida como Genu Moraes, disse que “O Café Avenida começou funcionando com bilhar e outros jogos”, tornando-se um centro de encontro bastante frequentado pelos teresinenses. A filha do ex-governador Eurípedes de Aguiar também contou que o referido Café foi fundado pelo comerciante Azzar Salomão Chaib, sendo gerenciado por seu amigo Abílio Sara e pelos filhos José e Jorge Chaib. Este último, vendeu o estabelecimento para Wilson Dias de Carvalho, mais conhecido como Wilson Quitandinha.

Além de local oportuno para confraternizações, o Café Avenida também era um espaço de discussão política, aspecto que o tornava um local periclitante naqueles anos do Estado Novo, ditadura instaurada por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937. Diariamente, advogados, professores, políticos, magistrados e estudantes reuniam-se nas mesas arranjadas debaixo das frondosas árvores da Rio Branco para debater os assuntos mais candentes da cidade. Esta faceta do referido bar não passou desapercebida pelas autoridades do Estado, notadamente pelo interventor Leônidas de Castro Melo (1935-1945). Agentes do Chefe de Polícia e Comandante da Polícia Militar do Estado, Evilásio Gonçalves Vilanova, mantinham uma vigilância carrada em pontos-chave da capital, como o Bar Carvalho e o Café Avenida.

Em suas memórias, Leônidas narrou que durante o Estado Novo o Café Avenida converteu-se num lócus de ataques ao governo. Nas suas palavras, esta “campanha a cada dia se tornava mais aberta”, chegando a pregar a demissão do interventor. Entre os críticos do governo estadual que frequentavam o referido bar, estavam os desembargadores Esmaragado de Freitas, Simplício Mendes e Arimatéa Tito, magistrados que foram aposentados compulsoriamente por decreto do interventor federal de 27 de novembro de 1939, episódio amplamente abordado pela imprensa oposicionista a partir do fim da censura, em 1945.

A partir de 1936, com a reforma da Praça Pedro II, a Rio Branco foi perdendo a hegemonia que mantinha até então como principal logradouro da cidade, todavia, continuaria por muito tempo como local privilegiado para realização de comícios, também chamados de meetings. Nos anos 1960, o pavimento superior do Café Avenida passou a abrigar a Câmara Municipal de Teresina, enquanto a parte de baixo permaneceu funcionando como bar. Genu Moraes lembrou que o referido estabelecimento deixou de funcionar durante o primeiro governo de Alberto Silva (1971-1975). Tal como ocorrera décadas antes com o antigo Fórum da capital, demolido para a construção do Hotel Piauí, posteriormente vendido para o setor privado, o edifício do Café Avenida também foi colocado abaixo.

Em 1988, ao rememorar a demolição de prédios históricos da capital piauiense, entre eles o edifício do Café Avenida, o escritor, jornalista, historiador, professor e cronista A. Tito Filho asseverou: “Assassinaram as lembranças espirituais de Teresina, em nome de um progresso sem entranhas, destruindo-se, por causa do dinheiro, a memória desse xodó maravilhoso que foi a cidade de Saraiva de Antigamente, desambiciosa, tranquila e pitoresca”.

Passam-se os anos e a Teresina de Antigamente vai ficando cada vez mais distante. O que Tito Filho nos diria hoje?

REFERÊNCIAS

KRUEL, Kenard. Genu Moraes: a Mulher e o Tempo. Teresina: Zodíaco, 2015.

TITO FILHO, Arimathéa. Tombação II. O Dia, Teresina, 20 de agosto de 1988.

MELO, Leônidas de Castro. Trechos do meu caminho. Teresina: COMEPI, 1976.

LIMA, Nilsângela Cardoso. De Uruguaiana à Rio Branco, de Aquidabã à Pedro II: a mudança de nome é também ressignificação das liturgias e ritos das sociabilidades. In: SANTOS NETO, Antônio Fonseca dos (Org.). Teresina 150 anos 1852 – 2002. Teresina: Editora Júnior, 2002.

Leia também:

Acompanhe a ClubeNews FM
Newsletter

Receba as principais notícias do Piauí e do Brasil direto no seu e-mail. Fique informado com agilidade e confiança, onde estiver.

Fique por dentro das próximas noticias