26 de julho de 2025

Beleza que se come: empratamento nordestino com orgulho e um tiquinho de ousadia

Culinariamente com Herschel Veras

Chef de cozinha
Publicado há 13 horas

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Jantar na Serra da Capivara (Foto: Herschel Veras)

Tem gente que acha que comida bonita é só a dos franceses. Ou que prato bem montado precisa ter nomes impronunciáveis e vir com uma pétala em cima. Pois eu, nascido sob o sol do Piauí e com a alma temperada no alho e no coentro, digo com gosto: o sertão também é gourmet, sim senhor! E se duvidar, ainda dá um banho de beleza e sabor em muito prato estrelado por aí.

Dias desses, me meti numa empreitada: preparar um jantar exclusivo para um grupo de donos de pousadas e restaurantes da região da Serra da Capivara — terra de história, de calor e de sabores que contam causos só de entrar na panela. A missão? Mostrar que a culinária nordestina, quando bem tratada, pode brilhar em qualquer passarela… ou melhor, em qualquer passadeira de cozinha.

Jantar na Serra da Capivara (Foto: Herschel Veras)

Cheguei com minha sacola de ideias, um bocado de insumos da região (macaxeira, cordeiro, abóbora, umbú, castanha de caju…) e o desafio de dar a esses ingredientes o respeito — e o glamour — que eles mercem. Porque o que tem de gente subestimando a macaxeira, achando que ela só é boa frita com café, não tá no gibi.

A noite começou com um Ravióli de Cordeiro com purê de abóboras baseadas. Isso mesmo, ravióli. Italiana a receita, nordestino o recheio, e o resultado? Um abraço entre continentes. Usei cordeiro local, temperado com pimenta do reino e amor, e servi com um purê de abóbora que pegou cor e sabor direto do fogo — como manda o figurino do sertão.

Jantar na Serra da Capivara (Foto: Herschel Veras)

Em seguida, veio um Filé de Sol ao molho roti, que é chique de nome, mas nasceu na panela da minha avó. Acompanhado de um mil-folhas de macaxeira que deixou muita batata francesa no chinelo. Prato bonito, elegante e cheio de identidade, daqueles que dá pena de comer — mas a fome e o cheiro ganham sempre.

Para fechar a noite (e abrir suspiros), servi uma Panna Cotta de Umbú, fruta que é puro Piauí, com crumble de castanha de caju e uma calda de maracujá que parecia até carnaval na boca. Doce na medida, cremoso como nuvem de final de tarde e com aquele azedinho que dá vontade de pedir bis.

Jantar na Serra da Capivara (Foto: Herschel Veras)

E ali, entre garfadas e elogios (modéstia à parte, teve gente lambendo a colher), vi nos olhos daqueles empresários a mesma pergunta que já me fiz tantas vezes: por que ainda duvidamos tanto da beleza do que é nosso?

Meu povo, empratamento não é frescura. É carinho. É contar uma história com cores, texturas e sabores. É pegar a simplicidade do interior e mostrar que ela também pode ser arte. Não é enfeite, é respeito pelo ingrediente e por quem vai comer. E se a gente pode montar um prato com queijo coalho, carne de sol e umbu como quem pinta um quadro, por que não fazer?

Então, fica o convite: olhe para sua comida com mais amor. Sirva bonito, coma com os olhos primeiro, e celebre o que o Piauí tem de melhor. E na próxima matéria, prometo mais histórias temperadas e receitas de fazer até francês querer morar se mudar para o Piauí.

Até lá, com uma pitada de saudade e uma panela de novidades!

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