16 de setembro de 2025

“O Brasil tem um enorme passado pela frente”

Sociólogo
Publicado há 2 dias

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Anistia (Foto: Divulgação)

A frase, que dá título a este texto, pertence a Millôr Fernandes e sintetiza com ironia acurada o dilema estrutural da sociedade brasileira: nosso futuro não se apresenta como promessa de transformação, mas como a persistente continuidade das marcas do passado. Em vez de vislumbrarmos novos horizontes, carregamos sombras de práticas antigas que se recusam a desaparecer. Essa máxima ganha atualidade diante do debate sobre a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023, defendida por setores da extrema-direita, o que está em jogo é mais do que a disputa política do presente, trata-se de escolher entre repetir a lógica da impunidade ou, finalmente, assumir a responsabilidade democrática.

A fala do deputado Eduardo Bolsonaro, em 7 de julho de 2025, torna essa reflexão ainda mais aguda. Em um áudio revelado pela imprensa, conversa com o pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, e admite que sua mobilização nos Estados Unidos não visava a anistia generalizada para todos os envolvidos, mas sim “salvar somente o pai”. Essa admissão explícita desnuda o caráter instrumental e familiar da proposta, que se mascara como anistia ampla quando, de fato, busca proteger um indivíduo específico do peso da lei.

No mesmo movimento, a posição recente do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, expõe outro aspecto da disputa. Em 7 de setembro de 2025, durante ato na Avenida Paulista, ele afirmou que o julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal se dá sobre um “crime que não existiu” e pressionou o presidente da Câmara, Hugo Motta, para colocar em votação um projeto de anistia aos condenados. Ao fazer isso, Tarcísio não apenas acena para o bolsonarismo de forma mais contundente, mas também se posiciona como herdeiro político preferencial do ex-presidente, pavimentando uma possível candidatura presidencial. O gesto, portanto, é duplo: busca salvar Bolsonaro e, ao mesmo tempo, consolidar-se como o escolhido para dar continuidade ao projeto da extrema-direita no país. Ainda assim, apenas as próximas pesquisas de opinião poderão medir o efeito real dessa recente estratégia sobre sua viabilidade eleitoral enquanto herdeiro de Bolsonaro.

A reação da opinião pública, no entanto, mostra-se contrária ao discurso da anistia. Pesquisas realizadas pelo Datafolha indicam que 55 % dos brasileiros são contra e 39 % são a favor da anistia aos envolvidos no 8 de janeiro, e 61 % dizem que não votariam em um candidato que defendesse esse perdão, o que reforça o forte viés político da questão. Além disso, uma análise da empresa de inteligência de dados AP Exata, noticiada pela Veja, calculou que 58,8 % das menções nas redes sociais foram contrárias à anistia, enquanto apenas 25 % foram favoráveis. Esses dados mostram que, apesar de esforços de setores da extrema-direita, a sociedade resiste à ideia de absolvição coletiva, seu desejo é outro: responsabilização democrática e preservação das instituições. Ainda não há recortes ideológicos confiáveis que mostrem com precisão como esse apoio ou rejeição se distribuem ao longo do espectro político, mas é sociologicamente plausível supor que o apoio à anistia se concentre particularmente entre segmentos alinhados ao bolsonarismo e à extrema-direita, o que reforça o caráter enviesado e político da proposta.

Sociologicamente, esses movimentos revelam a força de um passado que insiste em projetar-se no presente. Sérgio Buarque de Holanda alertou para o personalismo e patrimonialismo que atravessam nossa política. Florestan Fernandes mostrou como a modernização brasileira é conservadora, incapaz de romper com a desigualdade. Raymundo Faoro descreveu o estamento burocrático que perpetua privilégios. Quando Eduardo Bolsonaro assume que a anistia serve apenas para o pai, e Tarcísio de Freitas investe politicamente nesse perdão, assistimos à repetição desse mesmo enredo: um futuro sequestrado por interesses privados e elites que operam acima da lei.

O Brasil, de fato, tem um enorme passado pela frente, que vem moldando nosso presente. Mas a sociedade demonstra, por meio das pesquisas e das manifestações, que não deseja seguir presa nesse ciclo de impunidade. O desafio, portanto, é transformar essa rejeição popular em prática institucional. A escolha é clara: entre a repetição do passado, com sua impunidade seletiva, e a construção de um futuro que, finalmente, responsabilize quem comete erros contra a democracia. Se quisermos vislumbrar um futuro com maior vigor democrático, precisamos romper com a impunidade seletiva e impedir que a anistia se transforme em mais uma página de repetição histórica.

Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva
Doutor em Sociologia


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