
A articulação envolvendo Eduardo Bolsonaro, sua família e Donald Trump – representada pelo “tarifaço” de até 50% sobre uma diversidade de produtos brasileiros em troca de apoio político – teve desdobramentos distintos dos esperados pelos seus articuladores, como revela a pesquisa da Genial/Quaest realizada entre os dias 13 e 17 de agosto de 2025. Em vez de constranger ou fragilizar o governo Lula, a revelação do movimento político de Eduardo Bolsonaro e aliados acabou sendo interpretada, em segmentos expressivos da opinião pública – especialmente entre os “sem posicionamento” – como um reforço ao Planalto. O movimento, longe de enfraquecer o governo, expôs sobretudo o risco de associar interesses externos a disputas domésticas, ao mesmo tempo em que reforçou um sentimento de soberania nacional.
A sabedoria popular nordestina já havia encontrado uma imagem precisa para definir situações desse tipo: “Atirou no que viu e acertou o que não viu”. O alvo visível era o governo Lula, alvo constante de críticas e pressões por parte da oposição bolsonarista. A arma escolhida foi o peso econômico dos Estados Unidos, mobilizado como instrumento de intimidação. Mas o efeito imprevisto foi outro, parte relevante do eleitorado passou a enxergar a oposição como disposta a negociar interesses nacionais em benefício próprio, um cálculo que não considerou adequadamente como esse gesto seria recebido socialmente.
Para compreender a relevância desse deslocamento, é útil observar como o eleitorado é segmentado nas pesquisas da Genial/Quaest. Em vez de apenas dividir o campo político em direita e esquerda, a Genial/Quaest trabalha metodologicamente com cinco blocos: de um lado, os Lulistas e a Esquerda não Lulista; de outro, os Bolsonaristas e a Direita não Bolsonarista; e, finalmente, um quinto grupo identificado como “não tem posicionamento”. É nesse espaço que se encontram eleitores que não se reconhecem em nenhum dos polos, compondo uma massa heterogênea que frequentemente influencia os rumos eleitorais.
É importante destacar que essa categoria não deve ser confundida de imediato com o centro político. Enquanto o centro pode ser compreendido como uma posição substantiva de moderação e equilíbrio, os que afirmam “não ter posicionamento” muitas vezes expressam desinteresse pelas disputas partidárias, rejeitam a denominada polarização ou sentem não pertencer ao enquadramento metodológico da Genial/Quaest. Trata-se, portanto, de um grupo heterogêneo, capaz de se mover pragmaticamente em função de episódios conjunturais, em vez de orientações ideológicas consistentes.
É nesse ponto que a pergunta aplicada pela Genial/Quaest – “Qual lado está fazendo o que é mais certo nesse embate?” – torna-se reveladora. Entre julho e agosto, a proporção de entrevistados no grupo dos “sem posicionamento” que enxergava o governo Lula como estando do lado correto subiu de 37% para 45%. No mesmo intervalo, a percepção de que “nenhum dos lados” estava certo caiu de 27% para 20%, enquanto a confiança em Bolsonaro e seus aliados manteve-se praticamente estável, passando de 23% para 24%. O restante declarou não saber ou preferiu não responder (NS/NR). Esses dados sugerem que, diante da maior visibilidade do episódio, o Planalto conseguiu atrair parte do eleitorado mais pragmático, não necessariamente por adesão ideológica, mas por avaliar que, naquele momento (o da pesquisa), sua postura parecia mais aceitável do que a da oposição.
O(a) eleitor(a) situado(a) no grupo dos “sem posicionamento”, cuja principal característica é a baixa tolerância a escândalos e disputas radicais, reagiu de maneira prática. Ao partir da natureza de opinião pública da pesquisa, é difícil afirmar que se trate de uma adesão ideológica duradoura ao governo. Trata-se, antes, de um julgamento negativo a respeito da estratégia bolsonarista de prejudicar o país. A percepção de que havia disposição em negociar interesses econômicos nacionais em troca de ganhos políticos pessoais soou como um comportamento equivocado. Nesse contexto, a institucionalidade representada pelo Planalto pareceu mais sólida, o que ajuda a explicar, ao menos em parte, o movimento registrado pelas pesquisas.
O resultado é inequívoco, “atiraram no que viram e acertaram o que não viram”. Ao mirar no governo, Trump e os Bolsonaro erraram o cálculo e acabaram por atingir a si próprios, reforçando a posição de quem pretendiam enfraquecer. O episódio confirma uma lição simples, mas ignorada pela oposição: na política, como na vida, desprezar a sabedoria popular é sempre arriscado. Essa advertência ecoa tanto no ditado nordestino que guia esta análise quanto no legado de Ariano Suassuna e do Movimento Armorial, que mostraram como a força da cultura brasileira nasce do povo. E, no campo político, essa sabedoria já se manifesta nas curvas das pesquisas, onde se registrou o deslocamento dos “sem posicionamento” em direção ao Planalto. Resta observar se esse movimento será duradouro ou apenas uma oscilação momentânea, algo que somente as próximas sondagens poderão revelar.
Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva
Doutor em Sociologia
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