“Em janeiro consegui uma bolsa 100% gratuita em uma escola renomada de Teresina, mas pela situação da minha saúde mental, que se agravou ao longo da pandemia [da Covid-19], tive que desistir”. O relato é do estudante Pedro Kardec, de 24 anos, que desistiu não só do auxílio integral, mas também do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que acontece nos dias 21 e 28 de novembro deste ano.
Assim como Pedro, 21% dos jovens brasileiros informaram ter deixado os estudos em 2021 e 73% não participarão desta edição do Exame. É o que aponta a pesquisa Juventude e a Pandemia do Coronavírus, do Conselho Nacional da Juventude (Conjuve). Entre os principais motivos estão a falta de acesso ao ensino remoto e dificuldades financeiras.
Pedro Kardec, que mora com a avó aposentada, disse que optou por trabalhar para complementar a renda de casa. Hoje, ele é trabalhador autônomo, quando a pessoa exerce atividade profissional sem vínculo empregatício.
“A maioria das pessoas tem essa percepção de fragilidade e insegurança [por conta da pandemia]. Com o passar dos meses, durante o isolamento social, mesmo com a angústia que enfrento até os dias de hoje, venho procurando emprego. Às vezes, meu tio ajuda minha avó com algumas contribuições”, revelou o jovem.
Estatísticas alarmantes
Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) apontam redução significativa no número de inscritos no Enem 2021. Após o recorde histórico em 2016 – com 9,2 milhões de inscritos – o ano de 2021 ficou marcado como um ano negativo para o certame.
Estatísticas apresentadas pelo INEP mostram que somente 4 milhões de pessoas farão a prova desta edição. Em comparação com o ano anterior, que registrou 5,7 milhões de inscritos, tem-se a diminuição em 29% no número de candidatos – pior índice já registrado em 14 anos.
O Piauí também registrou queda nas inscrições em relação a 2020, quando o estado somou mais de 135 mil inscrições. Em 2021, pouco mais de 94 mil estudantes confirmaram matrícula para participar do exame – diminuição que chega a 30% – sem contar com o quantitativo de abstenções que podem ocorrer no dia da prova.
Dentre os estados do Nordeste, a situação é ainda mais alarmante. Quanto ao número de inscritos, o Piauí só ficou à frente de Alagoas (69.198) e Sergipe (62.630), perdendo para os vizinhos estados do Maranhão (154.593) e Ceará (243.414). Neste levantamento, não foi considerada a proporção do número de inscritos em relação à população.
Retrocesso
O professor do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e mestre em Políticas Públicas, Roberto Alvares Rocha, explicou que a redução dos números de inscritos significa um retrocesso na educação.
Segundo o especialista, os alunos da rede pública – geralmente oriundos de famílias de baixa renda e sem estrutura domiciliar adequada para o acesso às aulas remotas – se tornaram os mais afetados pela pandemia.
“Eles apresentam um quadro de desmotivação nos estudos, defasagem de aprendizagem e, lamentavelmente, evasão escolar. Daí, pode-se explicar a redução de alunos inscritos no ENEM 2021, o que deverá resultar em um impacto negativo com a diminuição do quantitativo de ingressantes nas instituições de ensino superior do país”, esclareceu.
Esse é o caso do Pedro Kardec, que atualmente cursa o ensino técnico do Instituto Federal do Piauí (IFPI). De acordo com ele, tem sido desafiador manter a rotina de estudos à distância. Representante da Associação Municipal dos Estudantes Secundaristas de Teresina (AMES), ele precisa se deslocar até a sede da agremiação para ter acesso às aulas.
“Nem sempre tenho acompanhado as aulas. A necessidade do distanciamento social mostrou a importância do acesso à internet para nós estudantes. Mas, às vezes, dedico a ir três vezes na sede da AMES pra poder ter acesso à internet, para ver as aulas e responder às atividades”.
De acordo com o estudante, tais dificuldades têm desmotivado alunos e adiado o sonho de ingressar no Ensino Superior. “Com toda essa situação, nós, estudantes, ficamos impedidos de nos inscrever no Exame e mais distantes do acesso à Educação Superior em um momento de diminuição da renda das famílias brasileiras”.
Como consequência disso, para o professor Roberto Rocha, há o aumento da desigualdade no ensino e disparidade de acesso a recursos culturais. Roberto Rocha ainda destacou que se “trata de uma questão social que reflete diretamente no nível de formação dos alunos que residem na periferia das cidades brasileiras”.
Perspectiva de melhora
Apesar da atual situação, o cenário para os próximos meses se mostra mais animador. O avanço da vacinação contra o novo coronavírus no país aliado ao retorno gradual das atividades essenciais sustentarão a volta às salas de aula de forma mais segura. No entanto, é preciso cautela e adoção de medidas eficazes, visando reparar os impactos sociais provocados pela pandemia.
“Provavelmente, ainda demandará um longo tempo para se reverter os efeitos catastróficos desse cenário pandêmico, o que exigirá esforços integrados das três esferas de governos: federal, estadual e municipal, de todos os poderes instituídos, bem como da sociedade civil organizada, especialmente em prol da população menos favorecida”, enfatizou Rocha.
Falta de incentivo
Professora da rede estadual de ensino há 27 anos, a educadora física Dina Mendes Vieira contestou a assistência do poder público para garantir o trabalho remoto dos profissionais da educação.
“Muitos [alunos] não se sentiram seguros em se inscrever no Enem. Tivemos que aprender sobre os meios digitais em pouco tempo. Não tive nenhum incentivo financeiro do Governo para custear internet, mas tenho conseguido dar conta de ministrar as aulas remotas”, comentou a docente.
Mendes reforça que embora o ano de 2020 tenha imposto grandes desafios ao setor educacional, agora a palavra de ordem é persistência. “Estamos todos empenhados em fazer o possível para diminuir os prejuízos na educação por conta da pandemia”.
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