Criada há mais de dez anos, a Lei de Cotas surgiu com o objetivo de reservar vagas, nas universidades e institutos federais, para estudantes negros pardos e índios, além de alunos que fizeram o ensino médio em escola pública.
No entanto, dados divulgados neste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que a parcela de negros que chegam o ensino superior ainda é quase a metade em comparação a de brancos.
Conforme os números de 2023, registrados pela Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad), 29,5% de pessoas brancas de 18 a 24 anos estavam no ensino superior. Entre os negros e pardos, 16,4% estava em algum curso de graduação.
O Portal ClubeNews conta a história de pessoas que, apesar das dificuldades, seguem na carreira acadêmica e são pesquisadores.
“Não basta só ter acesso ao ensino superior, é preciso garantir a permanência dessas pessoas nesses ambientes”, Ohana Luize, jornalista e professora.
Ohana Luize contou que durante a graduação, na Universidade Estadual do Piauí, percebia que muitos negros ocupavam aquele espaço na função de empregados de empresas terceirizadas que prestavam serviço para a instituição.
“Eu percebia um grande número de negros exercendo funções de serviços gerais, principalmente em cargos terceirizados. Enquanto os estudantes negros, geralmente estavam matriculados nos cursos de licenciatura, tradicionalmente menos concorridos. Já entre professores, durante a minha graduação eu tive apenas três professores e no mestrado foram dois, um número que chama muito atenção, se formos considerar o tempo total de estudos”, explicou.
Ohana comentou que ainda durante o período de estágios ela e suas amigas, também negras, já sentiam o preconceito do mercado de trabalho.
“Quando eu cheguei na graduação havia muito discurso de que jornalista não poderia aparecer mais do que a notícia, isso incluia, por exemplo, orientações de mudar um cabelo mais volumoso ou evitar usar uma roupa que tivesse estampa étnica, então era bem claro esse preconceito. Eu via colegas que eram parecidas comigo e quando encontrava um estágio mudaram esse visual para buscar uma adequação ao que o mercado pedia”, detalhou.
“A sensação é de que a universidade permanece sendo um espaço elitizado, onde os avanços, apesar de importantes, são insuficientes para garantir uma representatividade real”, Rillary Gabriele, estudante de direito que durante a graduação teve apenas uma professora negra.
Ao Portal ClubeNews, Rillary comentou que diariamente sente as dificuldades, enquanto mulher negra e periférica, de permanecer na universidade por inúmeros fatores.
“Muitas vezes lutar para conquistar um sonho se torna cansativo por conta da própria realidade. Eu já julguei estar no lugar errado, ter escolhido o curso “que não era para mim”, mas eu só estava em uma sala de aula com várias e pessoas brancas, com boas condições financeiras, com transporte próprio, que conseguem assistir aula até o fim sem se preocupar se o ônibus vai passar e se terá ânimo para estudar no fim do dia”, comentou.
Para Rillary, apesar da implementação de políticas afirmativas, no curso em que estuda há uma diferença de acesso entre brancos e negros.
“A realidade é que estudantes negros ainda enfrentam enormes barreiras para acessar e se manter na universidade, enquanto o ambiente acadêmico muitas vezes ignora as desigualdades estruturais que perpetuam essa situação. É evidente que ainda existe uma enorme disparidade racial, especialmente em cursos mais disputados e prestigiados. Muitas vezes, me sinto como na música Divino Maravilhoso: É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte”, explicou.
“Eu fui o primeiro da minha família que ingressou no ensino superior, fui aluno bolsista na graduação e recebia auxílio estudantil. Mas vários amigos não tiveram essa possibilidade e acabaram trancando o curso porque não tinham condições de manutenção”, Lucas Bruno é arquiteto e urbanista. Atualmente, é mestrado da Universidade Federal do Piauí.
Conforme Lucas, durante a graduação ele ão teve nenhum professor negro, no curso de mestrado a realidade é igual. O arquiteto ressalta que esse cenário era muito parecido com o que ele observava entre os discentes na graduação.
“Posso dizer que minha turma era exceção, majoritariamente tinha pessoas negras e de baixa renda, inclusive, acredito que esse acesso se deve muito a política de cotas que veio para tentar equilibrar essa balança. Mas, no geral, é um curso muito elitizado, dominado por pessoas brancas e com um poder aquisitivo maior, termina sendo um curso muito caro, mesmo em uma universidade pública, então nem todos conseguem se manter”, explicou.
Ele comenta que sentiu dificuldades durante a graduação, devido à origem humilde, mas com a ajuda da família conseguiu superar os desafios e concluiu o curso.
“Sempre comento que curso superior não é feita para pessoas pobres que precisam trabalhar, auxiliar na renda em casa, o ritmo da vida acadêmica não permite isso. Felizmente eu tive muito apoio da minha família, tanto financeiro como emocional, para que eu conseguisse seguir na graduação e concluísse meu curso”, pontuou.
*Estagiário sob a supervisão da jornalista Malu Barreto
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