Lays Viana e Pedro Pires
laysviana@tvclube.com.br
A TV Clube exibiu nesta quarta-feira (23) o segundo episódio da série Memórias da Ditadura no Piauí, que abordou a fase considerada mais obscura do regime militar: o período iniciado em 13 de dezembro de 1968, com a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5).
A medida extinguiu o Congresso Nacional, suspendeu garantias constitucionais e ampliou a repressão contra opositores do regime. No Piauí, as forças de segurança passaram a vigiar, perseguir e torturar pessoas identificadas como subversivas, entre elas estudantes, sindicalistas, jornalistas e professores.
A censura se intensificou, atingindo rádios, jornais, peças teatrais, músicas e produções acadêmicas. Militantes de esquerda, intelectuais e jovens engajados politicamente passaram a viver sob constante ameaça, sendo alvo de prisões arbitrárias e desaparecimentos forçados.
Violência sem limites
Em 1971, Manoel Domingos Neto, militante à época, lutava contra a ditadura militar. Foi preso e torturado por mais de um mês. “Passei quatro meses hospitalizado para me recuperar de 40 dias de interrogatório. Era uma brutalidade em grau máximo, um período difícil, com muita gente sendo morta e torturada”, relatou.
A historiadora Bárbara Bruma destaca que o AI-5, assim como os demais atos institucionais, serviu para institucionalizar a repressão e garantir respaldo jurídico aos agentes do Estado para a prática de violência sistemática.
“Eram militares ensinados a torturar, foram orientados para os métodos de tortura, partindo da premissa de que eles conseguiriam tirar informações desses subversivos, pessoas consideradas inimigas do regime. Foram criadas, dentro do Estado, instituições para reprimir, violentar e censurar. Tudo isso garantido em forma de lei, que eram os atos institucionais”, explicou.
Locais das agressões
Segundo pesquisas de historiadores, no Piauí havia dois principais pontos utilizados para tortura de presos políticos durante o regime militar, ambos ligados ao antigo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Um deles funcionava onde hoje está o Complexo da Delegacia Geral e o Instituto de Identificação. O outro local ficava na atual sede da Fundação Valter Alencar.
As torturas eram praticadas de diversas formas, incluindo eletrochoques, palmatórias e espancamentos. Um dos casos mais emblemáticos da repressão no estado foi o do militante Oswaldo Rocha, capturado na Praça Saraiva, no Centro de Teresina.
Segundo o historiador Ronald Castelo Branco, a prisão aconteceu em 1969, quando o homem foi levado até os porões da delegacia para ser torturado. A violência só encerrou quando um comerciante influente interveio em favor de Rocha.
“As torturas dele foram finalizadas a partir do momento em que ele revelou quem ele era por que esses militantes usavam muito pseudônimos para se esconder da ditadura. Então, a partir do momento que ele revela que era o Oswaldo Rocha, tinha um grande comerciante na época, que era o Pedro Rocha, que vai falar com os militares e intervir para que a sessão de tortura fosse finalizada”, pontua.
Os jornalistas também estavam na mira daqueles que queriam controlar o acesso à informação. Uma das vítimas, de acordo com o Ronald Castelo Branco, foi capturado em 1983, já no fim da ditadura. O profissional foi agredido pelo delegado Nilson Cunha e Silva.
A prisão se deve ao fato do jornalista fazer uma reportagem na Praça do Marquês, zona Norte da capital, contra políticos que eram do extinto partido Arena, e que tinha apoiado o regime ditatorial. Em uma tentativa de calá-lo, ele foi eletrocutado e submetido a sessões de violência com palmatória.
Tortura às claras
Diferente dos outros estados, no Piauí os ditadores não tinham receio de assumir a autoria das torturas. Os métodos utilizados eram ensinados aos agentes responsáveis pelas torturas.
A crueldade não tinha gênero, sendo as mulheres também alvos de atos previamente projetados para trazer sofrimento às vítimas.
“Estupros coletivos. Essas mulheres eram vendadas. Essas mulheres tiveram, muitas vezes, ratos e baratas enfiados em suas vaginas. Choques nas suas partes íntimas. Então, esses métodos de tortura foram criados e pensados justamente para violentar os corpos”, conta Bárbara Bruma.
Devido à ausência de uma Comissão da Verdade no Piauí, os documentos que relatam os abusos nunca puderam ser totalmente acessados, deixando no escuro as marcas da dor de quem foi silenciado em uma das páginas mais tristes da história do Brasil.
Veja também:
Memórias da Ditadura: os relatos de piauienses que lutaram contra a censura
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